Lei do Cinema. Nova proposta devolve poderes ao ICA na escolha dos júris

Listas de jurados passam a ser apresentadas pelo ICA  para depois serem submetidas à aprovação da SECA,  com o primeiro a ter a palavra final em caso de impasse. A nova proposta para a alteração ao decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema foi finalmente apresentada.

Depois de uma primeira proposta que de tão contestada acabou por não ir por diante e ao fim de longos meses de espera, foi finalmente apresentada pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual a aguardada nova proposta de alteração ao decreto-lei n.º 124/2013, que regulamenta a Lei do Cinema e determina os procedimentos para a escolha dos júris dos concursos para os apoios ao cinema e ao audiovisual. Responsabilidade atualmente nas mãos da SECA (Secção Especializada do Cinema e do Audiovisual, do Conselho Nacional de Cultura) – o pomo da discórdia – e que a proposta ontem apresentada devolve parcialmente ao ICA, num novo balanço de poderes.

De acordo com a proposta ontem apresentada pelo ICA numa reunião extraordinária com a SECA para a revisão ao decreto-lei, passa a caber ao ICA a competência de propor uma lista de jurados, “após consulta à SECA, a quem cabe a aprovação das listas efetivas”, bem como de uma bolsa de supelentes. Em caso de rejeição de uma primeira lista, cabe ao ICA elaborar uma nova que será de novo submetida a aprovação da SECA. E em situações de impasse prevalecerá sobre a SECA a posição do ICA, a quem “cabe a decisão final”.

A nova proposta de alteração ao decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema foi enviada pelo ICA às redações ao início da tarde desta quinta-feira, após uma reunião extraordinária com a SECA, depois de no debate na especialidade do orçamento para a Cultura de 2018 o secretário de Estado, Miguel Honrado, ter prometido uma nova revisão ao decreto-lei para “muito breve”. Isto ao cabo de um ano de um braço de ferro entre a tutela e uma plataforma de produtores, realizadores e profissionais do setor, que exigiam alterações profundas ao sistema de escolha dos jurados, retirando essa competência à SECA, que consideravam parte interessada. Alteração que não estava prevista na última proposta de alteração ao decreto-lei, que a tutela acabaria por deixar cair em fevereiro passado, depois de um protesto internacional levado a cabo durante o Festival de Cinema de Berlim, com que uma carta de solidariedade que reuniu o apoio de centenas de realizadores e produtores internacionais, bem como de diretores dos mais conceituados festivais de cinema europeus.

Agora que se conhece a solução para  esse impasse em que esteve mergulhado no último ano o cinema português, que levou mesmo a atrasos na abertura dos concursos de 2017, as reações vêm com cautela. Pelo menos enquanto não se conhece a proposta em todo o seu detalhe. Luís Urbano reserva as reações para os próximos dias, após analisar a proposta com a PCIA (Produtores de Cinema Associados), associação de produtores a que pertence. Ao produtor e distribuidor Pedro Borges parece importante o sinal que vem dar esta nova proposta de “alguma recuperação de soberania do ICA que tinha sido perdida que me parece importante como princípio”. 

Já Cíntia Gil, diretora do festival Doclisboa e que com Luís Urbano e Pedro Borges integra a plataforma de representantes do setor que há um ano fizeram frente à antetior proposta que Miguel Honrado deixou cair, continua a encontrar nesta nova proposta o “problema de princípio” criticado na anterior. “Há aqui um problema de princípio que não está resolvido. Por que é que os interessados – os privados – hão de estar a dar nomes e a legitimar júris que vão distribuir dinheiros públicos? Isto é uma outra forma, um bocadinho mais suave, de continuar com a privatização do ICA. Porque, no extremo, o ICA responsabiliza-se, mas todo o processo mantém a legitimaçao dos jurados com a SECA. E mantém-se a questão de fundo de os interessados estarem a fazer parte do processo de decisão dos jurados. Continuamos com o lugar do lobby”, sustenta. E garante, perante as promessas feitas pelo secretário de Estado de que haveria negociações com o setor para a elaboração desta nova proposta, que elas não existiram. “Não houve negociações, isso é falso.”

Satisfação não vem também do lado daqueles que defendiam o sistema a vigorar desde o tempo de Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura do governo do PSD e do CDS, como o realizador António-Pedro Vasconcelos. “A minha posição e da minha associação, a ARCA [A Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisuais], continua a ser a de que devia ser a SECA a votar os vários nomes propostos por todos e portanto não estamos de acordo”, afirma em reação à proposta ontem apresentada. “Digamos que o que pode fazer a diferença é a seriedade desta nova direção na qual tenho confiança. Porque no passado as escolhas que o ICA fazia eram completamente arbitrárias não eram transparentes e não nos era dada nenhuma explicação sobre os critérios.” O realizador defende ainda que “não deve ser o Estado a escolher os artistas”, que o seu papel é “garantir que haja condições para se fazer cinema”. 

Às mudanças no processo de nomeação dos júris para os apoios ao cinema e ao audiovisual, o ICA junta a promessa de “um reforço no critério de transparência, pela publicação e publicitação das listas efetivas de jurados, bem como das propostas enviadas pelos membros da SECA para elaboração das listas”.

A proposta apresentada pela nova direção do ICA, empossada em maio passado e que tem como presidente Luís Chaby Vaz, prevê, além desta alteração, a criação de novas linhas de apoio a iniciativas e projetos que não se enquadrem nos programas de apoio atualmente tipificados, além de uma nova linha de apoio à distribuição. E promete também novas regras no que respeita a limites máximos para acumulação de apoios, que permitirão, por exemplo, que um mesmo projeto poderá concorrer simultaneamente à produção de obras cinematográficas e de audiovisuais. Alterações sofrerá também o programa de apoio à escrita e desenvolvimento, que passa a permitir tanto candidaturas de “projetos de pessoas individuais, enquanto argumentistas”, como mistas, para projetos cinematográficos e audiovisuais. 

A aprovação do novo decreto-lei, informa o ICA, entrará agora em circuito legislativo, para que possa estar aprovado, como havia já prometido Miguel Honrado na discussão da especialidade do orçamento da Cultura de 2018, antes da abertura dos concursos do ICA do próximo ano.