Moura Guedes: ‘Tive pena do Sócrates. Aquele chorrilho de mulheres a pedirem-lhe dinheiro. Que chulice!’

Foi afastada da TVI por ser uma voz inconveniente para o governo de José Sócrates e agora faz a sua leitura da Operação Marquês

Chegou, como sempre, atrasada mas bem disposta. Fala sem rodeios, percebe-se a desilusão por não fazer aquilo que mais gosta, jornalismo, e não poupa várias figuras da sociedade portuguesa. Acha que o governo está cheio de “socráticos que sofrem de amnésia”, considera Proença de Carvalho “o novo Dono Disto Tudo”, e não se esquece de como o “silêncio de Cavaco foi prejudicial ao país”.

Como viu as primeiras revelações da Operação Marquês, nomeadamente as primeiras conversas de Sócrates?

Achei fascinante. E vou confessar uma coisa, que não sei se as pessoas acreditam ou não, mas é a verdade. Estava uma noite destas sozinha, com um jornal na mão, e vi aquelas escutas com as mulheres, aquele chorrilho de mulheres que ele tinha a pedirem-lhe dinheiro. Estive a ler e dei comigo com pena dele. Aquilo era uma coisa inacreditável. Tinha uma rede de mulheres… não sei por que é que elas tinham direito ao dinheiro, se calhar porque lhe fizeram imensos favores, sei lá. Não me interessa. Mas segundo aquelas escutas, ele dava dinheiro em barda àquele mulherio todo. E pensei: “Isto não é normal, eu estou com pena dele”. Aquilo era demais, até a mãe. “Ó filho…” “Mmmm” – ele fazia este som cada vez que cada mulher lhe ligava [risos] – “então” “ó filho, não vou dizer… é que vi um casaquinho tão lindo…”. [risos] Pimba! Lá ia! Chulice!

Foi assistente no processo Face Oculta. O que a surpreendeu neste processo Operação Marquês?

É diferente. O meu envolvimento foi relativo à compra da TVI – e foi para isso que fui ver as escutas que havia, embora já houvesse muito pouca coisa, dado que foram retiradas estrategicamente. Agora, por aquilo que o “SOL” revelou, e foi principalmente o “SOL” que o revelou, está patente ali um objetivo claro de controlo por parte de Sócrates da comunicação social. Ali, percebe-se que ele queria, já que tinha na mão quase todos os meios de comunicação social, aqueles que estavam fora do seu controlo. E como não os podia dominar da forma habitual, tinha de os comprar. E isso está patente na Face Oculta, nas escutas que foram reveladas pelo “SOL” e que nem era preciso ser assistente no processo. Aliás, eu depois fiz uma queixa, com base no crime de atentado ao Estado de Direito, mas que não foi para a frente precisamente porque o procurador-geral da República na altura achou que aquelas escutas não tinham validade e portanto eram uma pescadinha de rabo na boca. Como eu não podia reclamar nem recorrer acima daquele procurador-geral, não pude fazer nada – como só se pode ir para o Tribunal Europeu com trânsito em julgado, fiquei de mãos atadas. Foi uma queixa que ficou nas mãos de Pinto Monteiro e ele fez o que quis.

Perante estas novas escutas reveladas, o que pensa de Pinto Monteiro?

Foi das coisas piores que aquele período teve. Há uma coisa que acho que não foi devidamente analisada e que devia ser para que Portugal crescesse e se desenvolvesse e que os mesmos erros não voltassem a ser cometidos, que é analisar aquele período e ver como a democracia esteve em risco, como um primeiro-ministro eleito enganou tanta gente e as pessoas deixaram-se enganar, ou não quiseram saber e ele esteve a tentar – e tentou e conseguiu, nalguns casos – controlar meios essenciais que são a base de uma democracia. A Justiça, controlou-a completamente. O Ministério Público estava completamente controlado. Controlou o sistema financeiro – para isso foi essencial o Armando Vara, não é? –, a CGD, o BCP, maior banco privado, em que todos nós sabemos o que aconteceu, controlou o meio empresarial – o que aconteceu na PT tinha, como depois se veio a saber na Operação Marquês, o Dono Disto Tudo a colaborar [Ricardo Salgado] nesta teia, que é uma teia muito mais complicada do que aquela que está patente na Operação Marquês. Tentou controlar e conseguiu, em grande parte, a comunicação social, que estava completamente dominada e era subserviente, submissa ao poder político e neste caso a José Sócrates. Portanto, Justiça, meio empresarial, sistema financeiro, os media, tudo isto tentou e em grande parte conseguiu.

Mas em relação a Pinto Monteiro e a Noronha do Nascimento o que acha, já que mandaram destruir as escutas?

Sim, mas isso é o controlo da Justiça. Estava não só controlado o Ministério Público, como o Supremo, como grande parte da Relação… tudo. Há ainda gente e há agora um novo nome de que se começa a falar e que eu acho um génio – Proença de Carvalho, o grande mentor da Justiça nessa altura. Diz-se que foi ele que indicou o nome de Pinto Monteiro. Era o grande conselheiro para a Justiça de José Sócrates e que terá sido ele a delinear a forma de controlo da Justiça em Portugal e conseguiu. Agora, é um génio ou então até agora não quiseram meter-se com ele. Que ele é muito inteligente, é. É o novo Dono Disto Tudo.

Acha que Proença de Carvalho é o novo Dono Disto Tudo?

Acho. De outra forma, mas é. É um homem que mexe em tudo, que tem poder sobre quase tudo, mas que está muito mais afastado e recuado porque é muito mais inteligente do que os outros [risos] “donos disto tudo”.

Na altura em que estava na televisão o que não conseguiu “pôr no ar”?

Não dei porque não tive tempo. Estávamos a trabalhar nos submarinos. Não dei o que havia para dar mais sobre Sócrates, sobre o poder. Continuávamos com o BPN e havia muita coisa para fazer.

O caso BPN ao pé disto é uma brincadeira de crianças?

É muito dinheiro, também.

Sim, mas não são estes milhões e milhões e milhões…

Pelo amor de Deus, também é muito dinheiro! E é PSD, mas também é bloco central, não me venham com tretas. Há sempre. Quando as coisas são muito grandes, têm de envolver todos. Uns fecham os olhos, os outros fazem.

O que sente agora com todas as revelações, uma vez que apresentava um telejornal muito agressivo em relação às questões de Sócrates…

É de uma injustiça atroz dizer-se que o Jornal só se focava em Sócrates e no sensacionalismo. Lembro-me de ter dado um crime uma vez, que era importante dar, sobre a Maddie. De resto, dava economia, política e centrava-me em coisas que eram importantes para o país e tentava não dar coisas pontuais, tentava dar coisas que fossem generalizadas, casos que fossem exemplares. E dei desde a crise social que estava a crescer de uma forma assustadora nalguns pontos do país, com a Igreja a falar inclusivamente, dei a crise de trabalho, dei a economia – fomos os primeiros a falar da dívida, a que ninguém deu importância, sobre quanto é que gastávamos por dia a pagar a dívida e a dívida a crescer. Demos tudo isso e as pessoas como é óbvio – eu percebo – só se centravam no Sócrates. Como se o jornal só fosse isso, o jornal sobre o Sócrates era uns minutos. É claro que pareciam imensos porque nós estávamos a tratar de uma coisa que era rara numa televisão, que era tratar da corrupção de um primeiro-ministro. Mais ninguém tratava em televisão. E aquilo ficava-se por ali, como se nós só nos centrássemos naquilo. Mas eram tantas as coisas que nos chegavam às mãos, que nós na reunião de alinhamento, de distribuir peças, chegávamos a limitar as coisas que íamos fazer. Porque como havia uma campanha contra nós, para nos limitar precisamente, que dizia que fazíamos uma perseguição ao primeiro-ministro, a certa altura dizíamos que não podíamos fazer mais peças. Cheguei a dar peças ao “Expresso”.

Antes destas eleições deu uma entrevista em que dizia que não acreditava que os portugueses tivessem endoidecido e que não iriam pôr o PS no governo. Depois das eleições o que sentiu?

Não, os portugueses não endoideceram. Não deram a maioria absoluta, mas maioritariamente votaram no PSD, isso é certo. Não foi possível uma maioria que fizesse passar leis no parlamento. Agora, partidos como o BE ou o PCP que tiveram uma expressão pequeníssima de votação, estão hoje a mandar no país, é extraordinário não é?

E o que acha disso?

Acho complicado. Porque o PS, à custa de querer ser poder, tornou-se refém de duas forças que não têm os votos substanciais dos portugueses, faz aquilo que eles querem. Isto é um lugar comum, mas é verdadeiro.

Disse que este PS é o mesmo PS de Sócrates. Acha mesmo isso?

As pessoas são praticamente as mesmas. Sofreram o processo de amnésia, fizeram uma limpeza do seu passado, tentaram esquecer – o que é estranho, o que é muito estranho, porque estavam lá. O que lhes aconteceu naquela altura? Estas pessoas que exerciam os seus cargos de governo, juntamente com um primeiro-ministro, não se davam conta do que se passava? Outras, muitas delas, tinham para além da relação institucional, uma relação de amizade, íntima, com ele. Não desconfiaram de nada? Não é estranho? Ou são pessoas a quem lhes escapa as coisas mais essenciais, e então aí estamos mal porque eles estão novamente em cargos públicos, ou então estamos também mal porque deixaram escapar ou quiseram ou não deram importância ou deixaram passar coisas que eram mesmo importantes. Em qualquer dos casos, estas pessoas fizeram mal.

Estas pessoas estão no governo agora?

Sim. Escapou-lhes? Não se questionaram sobre donde vinha o dinheiro? Como é que aquelas coisas se faziam? Até os TGVs? Como se vivia daquela forma? Jantares? Os deputados jantavam e almoçavam e tinham grandes banquetes. É como aquela jornalista, não é? A que continua a ser o arauto dos princípios morais de conduta. A Câncio. Viveu com ele e não deu por nada? E veio dizer que não tinha nada a ver com isso. Quer dizer, tudo isto é impensável. Agora, é mais impensável ainda quando a própria sociedade fica impassível perante esta encenação. Isso para mim é mais assustador e preocupante. Porque há sempre videirinhos, há sempre quem faça pela vida, não é? Há sempre quem tenha este fascínio pelo poder e não olhe a meios para lá chegar, mas a opinião pública tem de ter um papel importante nisto, já que não há organismos, já que não há poderes que exerçam uma fiscalização sobre estas coisas, porque não há. Não há.

Acha que a Justiça não funciona?

Neste caso?

Temos um processo a decorrer, a acusação…

Não vi lá nenhum destes, destas criaturas, destes ministros reciclados notáveis.

Olhando para a acusação, não ficou surpreendida com algumas coisas que lá estão? Isto é, não admite que esses governantes possam não ter reparado?

Nunca vivi com ele, nunca o vi, nunca falei com ele. E vi, eu e outros jornalistas vimos, que havia ali algo de errado. Se eu vi, e nunca convivi com ele, como é que as pessoas que conviveram e trabalharam com ele não viram? Pelo amor de Deus… não é? Estava na cara que havia ali qualquer coisa que não jogava. Eu e a minha equipa tivemos nas mãos um vídeo em que os intervenientes não sabiam que estavam a ser gravados, em que está lá a história de corromperem o Sócrates – a polícia tinha aquilo, o inquérito tinha aquilo.

Estamos a falar do Freeport, certo?

Sim. Em que diz que Sócrates é corrupto. E no dia seguinte, a coisa que mais nos surpreendeu, foi que ninguém pegou naquilo. Houve algum jornal que tivesse pegado naquilo? Não é surpreendente? É. Ele tinha a coisa tão bem montada, que um vídeo que fazia parte do processo passou como se não existisse. É que nós não inventámos, tudo aquilo que pusemos naquele jornal vimos primeiro os originais, nunca foram cópias, nunca. Havia parte da comunicação social que estava comprada, controlada, na sua maioria. Mas a opinião pública também não quer muito saber. São moles, os portugueses.

Tendo sido corrida por Sócrates da TVI, quando viu esta acusação, qual foi o seu sentimento?

Já passou tanto tempo…

Chorou? Riu? Gritou?

Não. Foi com satisfação, mas não foi com… é muito difícil explicar o meu estado de espírito. Já passaram oito anos. Passei já por tanto, tanto, tanto… já pensei tantas vezes que ia voltar a trabalhar e não voltei a trabalhar. E cada vez que penso que vou voltar a trabalhar é uma alegria. Quando percebo que não vou e que foi uma fantasia, vou-me mais abaixo. Ao longo deste tempo fui criando resistências para que essas coisas já não me afetem. Já quase nada que diga respeito a isto me afeta. Mas, confesso, há momentos em que tenho raiva, tenho mesmo raiva, e digo “porquê? Esta coisa destruiu-me a vida”. Mas são muito, muito, muito raros. Estou mesmo a falar verdade. Porque de uma forma geral estou-me nas tintas para ele, tenho mais um sentimento de… nem o sei descrever. Acho que eu era melhor pessoa, antes, tornei-me mais cética em relação aos outros no geral. Acreditava muito mais de uma forma global nos outros, fiquei com uma carapaça maior, mas há alturas em que me vou abaixo. Esta coisa do Sócrates, quando me dizem “é acusado”, já vem numa altura em que já dei tudo. Estou esgotada em relação a esse assunto.

Sim, mas está à espera de saber o que vai dar a acusação.

É assim, desde o princípio que sei o que ele é. Achei tão extraordinário que as pessoas não vissem aquilo que eu via, eu e os outros jornalistas que trabalhavam comigo – com provas, com documentos, com tudo – e que as pessoas não ligassem, que a certa altura disse “não vale a pena”. Estão-se nas tintas, não é uma questão de não verem, saltam por cima, e portanto nada vale a pena. Porque, por muito que se mostre, elas estão interessadas noutras coisas, dão pouco valor a isto.

Não acha que as pessoas estão a dar outra vez valor a isso.

Não sei… elegeram o Isaltino, por exemplo. Não é extraordinário?

Acha que é o espírito brasileiro que está a chegar cá? Rouba mas faz?

Não é o espírito brasileiro, acho que as pessoas são assim. Não vejo o espírito brasileiro, ou outro, as pessoas são assim. Há umas que, felizmente, têm uma mentalidade muito mais rigorosa relativamente a determinados aspetos. Mas as pessoas em bruto são más. Basta olhar para as crianças. As crianças sem terem a carga das regras, daquilo que se deve fazer, dos castigos, são más, são cruéis, fazem aquilo que lhes apetece e normalmente é para o mau. Só depois é que se tornam civilizadas porque a sociedade assim o impõe. De uma forma geral, os videirinhos até são apreciados… o quê, faz pela vida? Ah…

O que a surpreendeu mais daquilo que já saiu na acusação a Sócrates? Além da das mulheres.

A história das mulheres é extraordinária. Mas os telefonemas dele para o Ricardo Salgado, para o Proença… são básicos. Aquele cérebro é básico. Eu continuo a achar que ele tem uma patologia psiquiátrica, o homem precisava de ser tratado. Nem sei se tem tratamento, acho-o um psicopata.

Tem consciência de que disse que ele é um psicopata?

Sim, sim, acho mesmo. Há quem lhe chame sociopata, eu acho que é mais grave, acho que é mesmo psicopata. Tem todos os indícios e todos os sintomas de um psicopata, embora um psicopata e um sociopata não estejam assim tão distantes quanto isso… Aquelas conversas são tão básicas. “Está a ver, está a ver? O que eles dizem? Ah… eles são isso e aquilo. E lá me estão a perseguir. Olhe, tá a ver, tá a ver? Aquele é um não-sei-quantos.” As conversas…

Diz que é básico mas também já reconheceu que é um génio para ter conseguido engendrar este esquema todo de que é acusado.

Sim… mas também não é muito difícil. Ele é um génio enquanto o sistema o permite. Se ele controla a Justiça – ele tinha o procurador, tinha a Cândida Almeida, tinha o Supremo… Não era só o Noronha do Nascimento, eu sei o que passei relativamente ao outro processo de difamação. Primeiro que eu conseguisse que o processo visse a luz do dia… o Ministério Público fez um comunicado à hora do Telejornal a dizer que tinha sido arquivado – como se pudesse ser arquivado, era uma queixa particular! Eles a única coisa que podiam dizer é que o MP não acompanhava a queixa. Eles faziam as maiores trafulhices. Fizeram isto tudo em nome de Sócrates. Ora, é fácil para um tipo que tem tudo controlado, é fácil passar incólume.

Como se controla?

A Justiça não foi ele. Ele tinha um grande conselheiro, Proença de Carvalho. A comunicação social é fácil, não há coisa mais fácil. Os jornalistas… basta um telefonemazinho e eles ficam encantados, então um primeiro-ministro a ligar-lhes… “ah, o senhor PM ligou-me, ele se calhar gosta de mim e se calhar vai-me chamar para o gabinete”. Isto há coisa lá melhor! Não me perdoaram a mim eu ter ido para a Assembleia da República como deputada eleita, tive a vida negra naquele parlamento, boicotavam-me tudo. Agora, irem para um gabinetezinho, transportarem a malinha e fazerem o trabalho sujo dos políticos, isso sim…

Porque acha que Proença de Carvalho é o novo dono disto tudo, se diz que ele já era o grande conselheiro que controlava isso tudo. Como se explica que Proença tenha esse poder?

Consegue porque ninguém lhe toca. Até agora ninguém lhe tocou, como é que ele consegue não sei… esse sim é muito inteligente. Não sei se ele continua com aqueles milhões de empresas de que ele é administrador: bancos, empresas que são importantes… depois continua lá com o “Diário de Notícias”, onde vai metendo as suas coisitas… embora o “DN” esteja pelas ruas da amargura. Toda a gente sabe o que é o “DN”.

O que é?

O “DN”? O “DN” era socratino e agora vai fazendo também pela vida com estes senhores. Acima de tudo é socratino, não é? Se puder fazer mais alguma coisa fará.

Com as acusações que faz, nunca teve medo de nada?

Que me fizessem mal fisicamente?

Sim, por exemplo. Ou que a prejudicassem.

Por estranho que lhe pareça, das vezes em que me ameaçaram mesmo muito à séria e de morte foi em programas sobre racismo.

Porquê?

É assim, tenho um lema, estou sempre do lado das vítimas e Portugal tem esta coisa extraordinário de dizer que não é racista e é profundamente racista, o que se nota em coisas pequenas. Era como quando se estava no Ultramar, nas colónias, e tinha os pretos como criados mas depois tratava-os muito bem, mas só os tinha como criados. Os pretos eram pretos, eram para tratar dos filhos e não tinham direito a mais nada.

Mas porque é que tinha ameaças?

Fiz alguns programas sobre racismo e recebi ameaças de morte. Cartas, emails, telefonemas…

Mas quem?

Pessoas, ou animais, neste caso só podem ser animais não é? E coisas às vezes obscenas, tipo “você precisava era que um preto não sei quê não sei que mais”, “eu vou matá-la a sua casa”, “você está a defender os pretos que fazem isto e acontecem”… e ciganos, ciganos também. Ameaçaram pôr-me um acampamento de ciganos quando eu tinha o monte no Alentejo, porque fiz um jornal a fazer diretos a dizer que queriam correr com ciganos de uma terra no Alentejo. E eu ia perguntar às pessoas porquê e elas não tinham razão, era porque eram ciganos, partem sempre do princípio que são maus. Há maus e bons. E eu sempre gostei de ciganos, tenho esta coisa. Gosto de ciganos. Habituei-me desde pequena porque o meu avô era advogado e defendia muitos ciganos de graça e eles punham se ao portão lá de casa à espera que o meu avô saísse e eu via-os. E às vezes eram coisas que metiam facas. Mas habituei-me a vê-los pacificamente e pronto, têm os seus costumes e tradições mas se fossem tratados de outra forma… agora, não é por serem ciganos, o sangue que lhes corre não tem veneno. É claro que já me fizeram ameaças por coisas políticas – “está-se a meter onde não deve” –, mas nada que se compare com os racismos. Agora, se fosse a ter medo… olhe, tenho três cães.

Acha que a democracia está em risco, como já disse?

Acho que as pessoas agora estão um bocadinho mais avisadas. E acho que temos um Presidente da República que é interveniente. Ele deu provas disse agora. É assim, eu embirro com as selfies, confesso. Mas, o que é certo,é que ele com isso consegue… as pessoas vão com essas coisas. Com as selfies, os beijinhos, os abraços. Embirro com isso, mas tiro-lhe o chapéu. Estou-me nas tintas para as intenções políticas, mas ele atuou bem aquando dos incêndios. O governo estava a portar-se como um animal, era um animal completamente insensível. O Costa calado – com um governo que não tinha sido eleito, mas pronto –, instalado numa maioria autárcica, “eu posso fazer tudo e agora é o que eu quiser”. Deu-se ao luxo de numa noite em que o país inteiro estava a sofrer, de se voltar para uma jornalista e dizer “não me faça rir”… juro que se fosse essa jornalista tinha-lhe dito, “o senhor está a ver bem o que está a dizer? Dá-lhe vontade de rir? Pensa sequer em rir numa noite destas? “Ah ah não me faça rir”. Dizer “Não me faça rir?” por se pôr a hipótese de demitir uma ministra completamente incompetente? Ele próprio, que se pisgou e nem em Pedrógão assumiu responsabilidades? Valeu-nos o Presidente da República. Por essa mesmo razão, Marcelo pode ser muita coisa, pode ter muito na cabeça dele, muitas intenções, mas se estiver em risco qualquer coisa que seja mais profunda, não acredito que deixe passar, não é como Cavaco. Cavaco na altura mais complicada esteve calado. Foram longos meses de silêncio. Eu pessoalmente não lhe perdoo.

Não lhe perdoa o silêncio em relação a quê?

O silêncio em relação a tudo o que se passava, em relação às ausências da Justiça, ao primeiro-ministro, estava tudo em causa, o país não sabia. E não era só uma questão de ele interferir. Esta desculpa, “não quero interferir na Justiça”… ele tinha de dizer qualquer coisa. Tinha. O Cavaco foi uma nódoa como Presidente. Tenho completa legitimidade para falar sobre Cavaco, talvez mais do que ninguém, porque não sou dos que começaram a dizer mal de Cavaco enquanto ele foi Presidente. Eu desde 87 que comecei a dizer mal de Cavaco. Topei o Cavaco desde essa altura.

Acha que Cavaco foi conivente com a corrupção?

Cavaco deixou andar, foi conivente com o silêncio. Completamente. Cavaco é um autoritário. Ele identifica-se com o autoritarismo. Sócrates é outro autoritário. Havia ali um entendimento. E, por outro lado, não quis, não se queria meter.

O que acha que Cavaco podia ter feito, por exemplo, quanto ao caso Face Oculta?

Há sempre coisas que um Presidente pode fazer sem o dizer abertamente, mas que pode ser uma linha e que pode acabar com situações. Ele não podia dizer ao Supremo, com certeza, “as escutas são isto ou são aquilo”, mas há formas de falar, todos nós sabemos.

Mas acha que Cavaco estava manietado?

Não faço ideia, só sei que ele esteve em silêncio e que o silêncio foi muito prejudicial, fez perpetuar toda esta situação. Quando nada funcionava porque estavam todos entroncados uns nos outros. Tudo começou com a história do curso de Sócrates, que foi uma coisa inacreditável, anedótica. E o Cavaco, silêncio. Para que serve um PR? Depois, havia uma crise total da Justiça. Não é interferir nas decisões concretas, não é isso, mas é quando se percebe que alguma coisa, que as instituições não estão a agir, que se espera que haja uma chamada de atenção. E o Presidente nada fez, fechou os olhos.

Então acha que a democracia não está, neste momento, em risco por causa de Marcelo?

Tenho esperança. É claro que já vi muita coisa, mas acho que ele não deixará. Acho eu.

Mas se diz que este governo tem os socráticos todos, o que pode Marcelo fazer em relação a isso?

Neste momento, o MP não se compara. A procuradora não tem nada a ver como o ex-procurador. Tem dado provas. Embora haja muita gente que devia ser investigada. Não se consegue perceber, por exemplo, como é que no caso de Dias Loureiro não se consegue provar nada. Não consigo perceber como é que a fortuna daquele homem não é alvo do MP quando o próprio despacho da Justiça ou do MP que arquiva o processo é quase uma nota acusatória. Faz pensar. Olhe, tenho outra coisa. Passou uma reportagem extraordinária da Ana Leal, agora. Tenho estado à espera que façam alguma coisa. É sobre o cartel do fogo. Está lá tudo. Sobre os meios aéreos, o que não está a funcionar, os contratos que foram feitos, que envolvem pessoas concretas, dos governos PSD e PS. Aquilo era para o MP ter logo aberto inquéritos. Logo. Estávamos a pagar 35 mil euros por hora, de avião.

O que acha que se passa para não investigarem esses casos de que fala?

Falam muito que não têm meios para investigar, não é? [risos]

Mas tem fé que Marcelo o vá conseguir?

Acho que o Marcelo consegue tudo. Não, estou a brincar. Não é o Marcelo, mas espero que haja vontade porque sem isso a democracia fica coxa. Não chega chegar ao Sócrates. Ou ao Duarte Lima. Abrem inquéritos e depois dizem “Ah, não conseguimos provar”; “ah, excederam-se os prazos”. O que é isto? O Isaltino foi à conta de prazos que [risos] metade das coisas ficaram pelo caminho. Não pode ser. É à esquerda e à direita, vamos a isto.

Acha que falta vontade política?

Não é uma questão de falta de vontade do MP, mal estaríamos. Espero mesmo que seja falta  de meios.

Disse que o mal menor de Sócrates não foi a corrupção….

O mal maior do Sócrates foi ele querer subverter os valores e controlar tudo. E isso ainda está para ser discutido, as pessoas não tem noção. Querer meter a mão na lata há quem queira sempre. Há-de haver quem consiga, quem não consiga, mas tentação haverá sempre. A corrupção não é uma coisa de hoje, é de sempre, e não vai acabar com o caso de Sócrates. Muito mais grave do que isso foi o que ele fez durante este período, que foi subverter… Estivemos à beira de que isto se transformasse num país sem liberdade sem termos o carimbo de uma ditadura. É altura de refletirmos. Por triste que pareça, acho que grande parte da população gostava de ser como ele, um homem que vem de longe e singra.

Acha que este governo quer controlar a comunicação social?

[risos] Eles aprenderam imenso com o Sócrates, não querem repetir!  Nem é preciso eles fazerem-no diretamente, têm lá gente que faça isso.

Disse que Sócrates controlava a TVI. Acha que sim?

Acho. Ele ligava para os jornalistas. Esse então dava-se ao trabalho de ser ele a ligar pessoalmente, eles ficavam encantados. Não vou dizer a quem, mas ele convenceu até uma jornalista de que andava interessado nela. Lembro-me perfeitamente, uma jornalista da política. Quando foi o caso da Carla Bruni [mulher do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy], ele deve ter pensado “ora aqui está uma boa coisa” e então andou a fazer rapapés a uma jornalista da TVI. [risos] Não é divertido? Ligava-lhe…

Mas acha que hoje Costa consegue controlar? Por exemplo, acredita que interferiu na venda da TVI?

Acha que há alguma televisão em Portugal que não passe pelo poder político? Que antes de ser vendida o senhor primeiro-ministro não saiba? Acho que é ingenuidade pensar o contrário, não?  Costa acha que tem de interferir, tanto que se deu ao luxo de reunir no seu gabinete a Altice, a administração e a direção da TVI para dar conselhos sobre o futuro da TVI e dizer que gosta muito da linha editorial e que gostava que continuasse assim.

Como viu a polémica do Panteão?

Acho que o Eusébio gostou.  E a Amália teve pena de não estar com voz para poder acompanhar. Acho que fazem casos…

O que faz hoje em dia? Ainda espera voltar à televisão?

Não. Se esperasse vivia infeliz, porque os dias passam e eu nunca mais vou para a televisão.

O que faz hoje em dia?

Hum… não sei…

Vai ao ginásio?

Não, tenho de voltar. Não vou desde junho. Vou ver se vou fazer kickboxing.

Não está a pensar fazer um livro?

Sabe que tenho convites de todas as editoras. Já rejeitei as que me dizem que posso escrever sobre o que quiser, porque isso acho muito suspeito. Depois tenho um grande respeito pelos livros e faz-me alergia e horror esta coisa de qualquer pessoa escrever livros. Eu sei que uma coisa é literatura e outra coisa é escrever sobre qualquer coisa. Mas acho que escrever é uma coisa para eleitos. Por acaso tive há tempos um grande impulso, que foi o Vasco Pulido Valente que é  um grande amigo dizer-me: “Acho que está na altura de escreveres um livro”. E aquilo vindo dele… ele é tão crítico, que aquilo abalançou-me mais. Mas eu também sou tão crítica…

O que achou do lançamento da campanha do Santana Lopes, quando ele disse “boa noite, eu sou Pedro Santana Lopes”! Não se lembrou “boa noite, eu sou Manuela Moura Guedes?

Não ouvi, mas vou acusá-lo de plágio. [risos]