“A Desforra de Berna!”
Foi assim que lhe chamaram: eles, os de Barcelona.
Desforra de um jogo mal digerido, o de Berna, a 31 de maio de 1961, final da Taça dos Clubes Campeões Europeus, como na altura se dizia. Barcelona-Benfica: Estádio de Wankdorf. “La final de los palos cuadrados”, escreveram os jornais da Catalunha. Quatro bolas nos postes da equipa portuguesa: Kocsis, Kubala (duas vezes no mesmo remate) e Czibor. Três húngaros, a mesma sorte. Ou falta dela.
Os espanhóis agarram-se aos postes. Parecia que, com eles, explicavam tudo: a derrota e a fuga da Taça dos Campeões, que demoraria mais de 30 anos até arranjar lugar em Camp Nou.
Em 1961 faltava dinheiro ao Barcelona. O clube vivia momentos complicados. Um défice de muitos e muitos milhões, asseguravam os correspondentes dos jornais portugueses em Espanha.
No dia 22 de novembro de 1961, praticamente seis meses após a final de Berna, o Benfica está em Barcelona. O cachê é de 30 mil dólares. Os dirigentes do Barcelona esperam fazer muito mais para pagar ao Benfica e ainda reforçar os cofres depauperados do clube que vive à sombra do Real Madrid, cinco vezes campeão europeu.
Aposta-se na especulação: transforma-se um encontro particular numa vingança. Numa revanche. Os meios de comunicação ajudam: espalham aos quatro ventos a repetição da grande final de Berna, agora sem “palos”. Parece que a taça que o Benfica levou para Lisboa está de novo em disputa. Não está. Mas o prestígio está em jogo. E Béla Guttmann sabe-o bem.
Três dias antes do encontro, a crise do Barcelona agudizara-se. Na deslocação a Valência, a derrota fora bruta: 2-6.
O Benfica, por seu lado, batera o Lusitano de Évora por 3-1.
Luís Miró, treinador do Barça, está com a cabeça a prémio: não tardaria a ser demitido. Ladislao Kubala assume o cargo de treinador interino.
Mas isso é mais daqui a pouco: primeiro, o Benfica joga em Camp Nou.
Novembro terrível! É um novembro terrível em Barcelona. E não, não tem nada que ver com futebol. É um novembro terrível de frio e chuva. Segunda e terça-feira, o tempo agrava-se. A água cai do céu continuadamente. Bem podem os jornalistas catalães acenar com o jogo do século, com a definitiva reposição da verdade dos factos, com o confronto que ditará, desta vez é que sim!, qual a melhor equipa da Europa, como se a final de Berna não tivesse passado de um ensaio.
Em Lisboa discute-se: valerá a pena pôr em causa a vitória do Benfica? Há motivos que justifiquem aceitar um convite deste género, jogando em casa do adversário, dando-lhe de mão beijada todas as vantagens?
Há: 30 mil dólares!
O futebol já é um universo de dinheiro, um mundo de compra e venda.
A intempérie frustra o Barcelona: só 40 mil adeptos num estádio com capacidade para 100 mil.
O Benfica frustra o Barcelona: nem em sua casa, perante o seu público, os catalães conseguem a vitória.
A primeira parte do Benfica é brilhante de classe e de clareza no seu futebol ofensivo. O Barça vê-se dominado, controlado, incapaz.
Santana e Coluna enchem o campo: um é fino, recortado, requintado até; o outro é forte, possante, avassalador.
As pérolas negras do Benfica.
Eusébio é outra: rapidamente vai conquistando o seu lugar.
Santana faz 1-0; Eusébio, jogando como ponta esquerda, quase faz o segundo.
Evaristo fez o 1-1; por muito pouco está à beira do 2-1. A bola bate no poste. “Malditos palos!”
Na segunda parte, Guttmann defende. Lança jogadores novos: Simões, Torres, Mário João.
O Benfica bate-se, é valente. Aguenta a precipitação adversária e sustém os seus intentos. Controla o jogo porque é imperioso que assim seja. Tem uma aura de campeão da Europa a conservar e sai com ela intacta do terreno do seu maior rival.
Os catalães baixam os braços. Mais uma vez, a vitória não lhes sorri.
A Desforra de Berna não existiu.
Béla Guttmann sorri: “Para a próxima cobraremos 35 mil dólares.”
Parece justo!