Sheiks e Aiatolas: Jogos de poder no Médio Oriente

A Arábia Saudita é um dos países mais conservadores do mundo. Quando se espreguiça, as placas tectónicas da região mexem. A espiral de tensão nas relações entre Riade e Teerão corresponde não apenas a uma longa luta política e religiosa no Médio Oriente, mas também a um período de transição e incerteza na cena política…

Novembro tem sido um mês frenético. Com jogos de guerra, purgas e conspirações políticas. Houve mísseis disparados do Iémen contra Riade – um ‘ato de guerra’ que os sauditas dizem ter sido perpetrado pelo Irão. Houve uma purga interna aos corruptos (e opositores) ao príncipe herdeiro do trono saudita. E, notando que o mês ainda só vai a meio, o primeiro-ministro libanês, o sunita Saad Hariri, abandonou o país (especula-se que por forte pressão saudita) e refugiou-se em Riade (não refugiado mas raptado, dizem alguns), deixando aceso o rastilho da instabilidade em Beirute.     

Desconhecemos, ainda, as consequências destas jogadas. Mas conhecemos as causas: Mohammad bin Salman. Aos 32 anos, o príncipe MBS envolveu-se numa luta pela consolidação do seu poder. Colhendo inimigos em todos os campos, abriu guerras em duas frentes: a interna e a externa.

A história da Arábia Saudita tem sido contada através das lutas pelo poder na Casa de Saud. A disputa pelo poder é sempre assunto de família uma vez que rei Abdulaziz, o fundador, teve 36 filhos. Desde que o Rei Salman al Saud chegou ao trono que a expansão dos poderes do seu filho Mohammad não tem limites. Ele é a cabeça do aparato militar e de segurança do reino. Também é ele o arquiteto da Visão 2030, um ‘roadmap’ para transformar a maior potência energética do Golfo Pérsico numa economia sustentável e pós-petrolífera. Tal implicará demolir todo o edifício de subsídios erguido com o ‘boom’ petrolífero. As ideias de reforma de Mohammad bin Salman são extensíveis aos direitos sociais, especialmente das mulheres.

No plano interno, as ideias de abertura e reforma têm-lhe valido muitas inimizades, sobretudo nos setores religiosos ultraconservadores e nas clientelas do estado. É nesse puzzle de consolidação de poder e reforma que deve ser encaixada a operação anticorrupção – inspirada no método Xi Jinping – que varreu príncipes, ministros e empresários, agora feitos prisioneiros no Ritz-Carlton.

No plano externo, e com o apoio da Administração Trump, Riade é testa de ferro na disputa com o arqui-rival xiita, o Irão. Investindo imensos recursos políticos e financeiros, a Arábia Saudita montou três coligações – a Coligação Árabe no Iémen, a Aliança Militar Islâmica para Combater o Terrorismo e a Coligação anti-Qatar – que têm diversas formações, mas o mesmo objetivo: a neutralização do Irão e dos seus ‘proxies’.

A guerra é fria. Mas a temperatura não para de subir. Na Síria, Teerão apoia Assad, Riade está com a falhada campanha dos rebeldes. No Iémen, os iranianos financiam e equipam os hutis que, depois de terem deposto um governo legítimo, estão a arrastar os sauditas para uma guerra sem fim à vista. No Líbano e no Iraque, o patrocínio sectário é o combustível para a violência: Terrão apadrinha o Hezbolah ou os movimentos xiitas enquanto Riade está sempre com os sunitas.

Em junho as mulheres sauditas vão finalmente poder guiar por iniciativa de MBS. Resta saber se o príncipe terá habilidade para conduzir os destinos sauditas na complexa geopolítica regional. E, sobretudo, se terá licença para guiar nos acidentados caminhos das reformas políticas, sociais e económicas de que o país precisa.

A estabilidade do Ocidente também depende disso.