China. Várias ameaças ensombram a nova Rota da Seda

O projeto de infraestruturas lançado por Pequim para ligar a Ásia, Europa e África em rotas de comércio depara-se com terroristas e resistências por parte dos habitantes locais. A joia da coroa do mais poderoso líder chinês dos últimos tempos está em dificuldades

De um projeto ferroviário parado na Indonésia a um corredor económico no Paquistão ameaçado por terroristas, o projeto da China para reavivar os percursos comerciais da Rota da Seda está a encontrar problemas. A joia da coroa da presidência de Xi Jinping está ameaçada. 

A iniciativa “Faixa Económica da Rota da Seda e da Rota Marítima da Seda para o Século xxi”, conhecida na versão simplificada como “Uma Faixa, uma Rota” (“One Belt One Road” – OBOR, em inglês), pode, nas contas de Pequim, abranger 65 países e 4400 milhões de pessoas, quase 60% da população mundial.

Para Xi Jinping, o líder chinês mais poderoso desde há muitos anos, este projeto é central para o objetivo de expandir o seu poder e influência económica e geopolítica. A iniciativa foi consagrada na constituição do Partido Comunista da China, no mês passado, e as estimativas apontam para mais de um bilião de dólares adjudicados. 

O presidente da China tem sido o grande impulsionador do OBOR, um programa de investimento em projetos de infraestruturas que incluem linhas de comboio, portos e redes elétricas com o objetivo de criar uma nova Rota da Seda entre Ásia, África e Europa. 

No lançamento da iniciativa, que juntou dezenas de líderes mundiais em Pequim, no passado mês de maio, Xi Jinping comprometeu-se a financiar o OBOR com quase 110 mil milhões de euros e desafiou os países a abraçarem a globalização. O presidente chinês criticou o protecionismo e assegurou o compromisso de 30 países para com a globalização durante a cimeira sobre o OBOR. A iniciativa, cujo valor total está calculado em quase cinco biliões de euros, já tem assinalados 890 mil milhões de euros para quase 900 projetos.

O dinheiro para o OBOR vem do Fundo Rota da Seda, lançado oficialmente em 2015, detido pelo Estado chinês e por dois bancos de investimento – o Banco de De-senvolvimento da China e o Banco de Importações e Exportações da China. Outras duas instituições multilaterais lideradas pela China – o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas e o Banco do Novo Desenvolvimento, este último com sede em Xangai – são também dois dos grandes financiadores da OBOR. As instituições financeiras chinesas estão também a financiar o projeto. Um especialista calcula em 130 mil milhões de euros os empréstimos aos países do OBOR.

Preencher o vazio Cunhado por Xi como o “projeto do século”, o OBOR faz parte da narrativa chinesa de grande defensora da globalização e pretende preencher o vazio na liderança mundial deixado pela política “America first” do presidente dos EUA, Donald Trump. 

Mas há problemas no terreno. Os projetos atravessam zonas de terroristas, ditaduras, democracias corruptas e, além disso, encontram resistência tanto de políticos corruptos como de populações locais. “Construir infraestruturas neste tipo de países é muito complicado”, diz um especialista do Center for Strategic and International Studies (CSIS), que estudou alguns dos projetos do OBOR no sudeste da Ásia. “Há questões de terreno, tem de se chegar a acordo sobre fundos, tem de se chegar a acordo sobre questões técnicas.” 

Pequim ganhou o contrato para construir a primeira linha férrea de alta velocidade da Indonésia em setembro de 2015. Mas mais de dois anos depois, o trabalho ainda mal começou na linha que ligará Jacarta, a capital indonésia, à cidade de Bandung. 

A linha na qual o comboio deveria começar a circular em 2019 está ainda por assentar e depois da cerimónia de inauguração houve muito poucos progressos. As autoridades da Indonésia recusam divulgar o andamento do projeto e o consórcio de empresas chinesas e indonésias responsáveis pela construção mantém-se silencioso. 

Num outro projeto de alta velocidade ferroviária, este do sul da China para Singapura, a parte tailandesa da ferrovia tem sido atrasada por contendas em relação ao financiamento e à legislação laboral. Só em julho o governo militar tailandês aprovou os mais de 5 mil milhões de euros necessários para a construção.

Nos 415 quilómetros de linha no Laos, um fiel aliado de Pequim, os trabalhos avançam. Mas até aí o projeto levantou controvérsia devido ao seu custo – 5,5 mil milhões de euros, mais ou menos metade do PIB do país.

Para além da questão mais profunda, que é saber quanto é que o Laos vai ganhar com o projeto, uma preocupação comum a vários outros países: os ganhos para a China, como o acesso a mercados-chave e o escoamento da sobrecapacidade da sua produção industrial, são mais evidentes do que as vantagens para os parceiros.

Ásia Central

Estas preocupações têm acossado também projetos na Ásia central, parte da potencial rota da China ocidental para a Europa. Estes incluem, por exemplo, uma zona de comércio livre em Horgos, na fronteira da China com o Cazaquistão, conhecido por centros comerciais vistosos no lado chinês e pouca atividade no lado cazaque. 

Há ainda um projeto parado de uma ferrovia para o Uzbequistão devido, em grande parte, à oposição do Quirguizistão, por onde passaria a linha de comboio. “Sou contra esta ferrovia tal como está porque os benefícios financeiros que poderiam advir para o Quirguizistão irão para a China e o Uzbequistão”, afirma um responsável local. 

O Corredor Económico China-Paquistão, projeto de 50 mil milhões de euros lançado em 2013 para ligar a China ocidental ao oceano Índico através do Paquistão, tem sido alvo de separatistas na província do Baluchistão que têm feito explodir gasodutos e comboios e atacado engenheiros chineses. No entanto, as autoridades chinesas insistem que o OBOR é um projeto com um grande apoio. “Vemos cada vez mais apoio e projetos aprovados. Muitos projetos têm trazido benefícios reais às pessoas.”