O Papa que acreditava na astrologia

Uma das conclusões a que chegamos com facilidade após algumas leituras é que os chavões simplistas que usamos para definir uma época normalmente estão errados. Ou melhor, contam apenas uma parte da história. 

Os Gregos foram os inventores da filosofia e da democracia? Sem dúvida, mas também foram um povo guerreiro. A Idade Média foi uma Idade das Trevas? Nem por isso – e as catedrais góticas, verdadeiros hinos à luz, provam-no sem margem para dúvidas. O Renascimento foi a Idade da Razão? Talvez tenha sido, mas foi também um período marcado por guerras irracionais. E, mais surpreendente, assistiu a um florescimento da magia e do oculto.

Disso mesmo trata o livro de D. P. Walker sobre magia espiritual e demoníaca, escrito quando o autor era bolseiro do Instituto Warburg, fundado pelo judeu alemão Aby Warburg em torno da sua riquíssima biblioteca de história, arte, filosofia, religião e misticismo, transferida de Hamburgo para Londres em 1934 para escapar à perseguição nazi.

Poderíamos considerar este um tema pouco sério – nada mais erróneo. Walker começa o seu estudo com Marsilio Ficino (1433-1499), filósofo neo-platónico, protegido de Cosme de Médicis (o fundador do famosa dinastia) e um dos expoentes do Humanismo italiano. Ficino acreditava que a alma humana recebia influência de vários astros quando descia do céu para encarnar no indivíduo. Acreditava também que a música atraía a influência benigna dos planetas e que certas pedras ou ervas «continham certos poderes associados às suas afinidades astrológicas, sendo legítimo usá-los na medicina». Já a convocação de demónios era algo que desaconselhava. Ainda assim, não se livrou de uma acusação de necromancia
em 1482.

Pior todavia, foi o que sofreu Tomaso Campanella – e, com isto, já saltámos cem anos e outras tantas páginas, para o final do livro. Em 1599 «foi posto na prisão em Nápoles, após o falhanço da sua revolta, que deveria ter estabelecido a sua utópica e altamente heterodoxa Cidade do Sol», conta Walker. «Em 1603, após torturas abomináveis, foi condenado a prisão perpétua, como herético; havia escapado à pena de morte simulando loucura. Continuou em Nápoles, escrevendo profusamente, até 1626, quando foi libertado pelos espanhóis. Mas após alguns meses era de novo detido e colocado numa prisão em Roma».

Um pouco mais adiante vamos encontrá-lo finalmente em liberdade, a praticar rituais suspeitos. «Primeiro isolavam o quarto do ar exterior, depois borrifavam-no com vinagre de rosa e outras substâncias aromáticas, e queimavam louro, mirtilo, rosmaninho e cipreste. Penduravam panos brancos de seda e decoravam o quarto com ramos. Então, duas velas e cinco tochas, representando os sete planetas, eram acesas». Quem era o seu parceiro nesta estranha encenação? Nada menos do que o Papa Urbano VIII, «um firme crente na astrologia»!