Tempos de espera e assimetrias regionais são os maiores obstáculos no acesso à saúde em Portugal

Análise da Comissão Europeia avisa que pressão sobre sistema de saúde vai continuar a aumentar com o envelhecimento e doenças crónicas

O alerta surge no perfil da saúde em Portugal apresentado hoje em Bruxelas. “Os maiores obstáculos no acesso aos cuidados de saúde em Portugal são os tempos de espera e a distribuição geográfica desigual das instalações”, declaram os peritos, numa análise que resulta de uma colaboração entre a OCDE, o Observatório Europeu de Políticas e Sistemas de Saúde e Comissão Europeia. “Mesmo assim, em 2015, apenas 0,1 % dos elementos mais pobres da população declararam ter necessidades não satisfeitas de exames médicos devido à distância (menos do que a média da UE de 0,2 %), sendo que 0,9 % deste quintil de rendimentos afirmaram também ter necessidades não satisfeitas devido às listas ou tempos de espera, valor que está próximo da média da UE (1,1 %).

O relatório assinala que a distribuição dos recursos em saúde em Portugal não é a mesma nas diferentes regiões e, nestas, entre municípios. “Existem igualmente diferenças significativas nos indicadores de riqueza e de saúde entre as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e as regiões do interior. Muitas das pessoas que vivem nas zonas rurais estão em risco de pobreza e defrontam-se com obstáculos (em especial a distância) que dificultam o acesso a serviços de saúde de qualidade”.

Além disso, prosseguem os autores, “os profissionais de saúde concentram-se nas zonas costeiras, na Grande Lisboa e no Grande Porto”.

 “Os dados apontam também para a existência de grandes disparidades geográficas na distribuição dos profissionais de saúde do SNS por profissão, assim como na distribuição das instalações públicas de cuidados de saúde primários”.

Outra evidência de desigualdades apontada no documento prende-se com a cobertura de médico de família, que ainda não é universal.

Isenções abrangem mais de metade da população

A análise assinala que embora o SNS seja universal, existem vários serviços que requerem um copagamento – por exemplo as taxas moderadoras – mas existem também isenções que abrangem um grupo significativo da população (a percentagem de isentos totalizava, em 2015, 55%. Não obstante, um dos destaques do relatório vai para algo que já tinha sido referido no último relatório da OCDE sobre saúde. “Em Portugal, os pagamentos diretos representam 28 % do total das despesas em saúde (figura 11), um valor bastante superior à média da UE de 15 % e ao registado em países vizinhos, como Espanha (24 %), sendo visível uma tendência para o seu aumento ao longo do tempo”, lê-se no documento. “Mais ainda, os pagamentos diretos equivalem a 3,8 % do consumo final das famílias, contra uma média da UE de 2,3 %, sendo por isso os sétimos mais elevados entre os Estados-Membros”, alertam os peritos.

A análise constata que “normalmente, os valores fixados para os copagamentos são reduzidos quando comparados com o custo do serviço”. Mas fica outro alerta: no que diz respeito aos medicamentos, o valor a pagar pelos utentes é particularmente elevado. 

Pressão vai continuar a aumentar

Os peritos concluem que o SNS parece, ainda assim, estar a fazer “mais com menos”, dado que a despesa caiu nos anos do resgate. “Os benefícios em termos de saúde e o reforço da atividade do SNS foram obtidos sem recursos adicionais, o que indica uma melhoria da relação despesas/resultados, bem como a existência de grandes ineficiências no sistema.”

Mas fica o aviso de que a pressão tende a aumentar no futuro.  Os autores alertam que, em 2060, a despesa pública com saúde em percentagem do PIB deverá atingir 8,5% em Portugal, uma subida face aos 6% de 2013 (nos últimos anos  tem sido inferior). O peso das prestações de saúde relacionadas com doenças crónicas, fruto também do envelhecimento, é a variável a ter em conta e o relatório assinala que “continua a colocar-se o desafio da sustentabilidade orçamental a longo prazo”.

Fica também uma menção ao aumento dos pagamentos em atraso, que o governo já prometeu reequilibrar nos próximos meses com uma injeção extraordinária de 1,4 mil milhões de euros para regularização de dívidas. “A curto prazo, os riscos para a sustentabilidade financeira do SNS parecem advir do défice de qualidade da gestão financeira (planeamento e execução orçamental) nos hospitais, que está na origem de atrasos crescentes nos pagamentos a fornecedores. As medidas governamentais não parecem ser suficientes para garantir a liquidação dos pagamentos em atraso ou impor um controlo firme das despesas”, lê-se no relatório, que não reflete ainda este recente anúncio da tutela.