Ryanair. Trabalhadores denunciam “pressão” e clima “intimidatório”

Não é novidade que a Ryanair esconde más condições de trabalho nos preços baixos que pratica. No entanto, assistentes de bordo garantem que a pressão tem vindo a aumentar

Os baixos preços da Ryanair há muito tempo que escondem más condições de trabalho. Não é novidade e, nos últimos tempos, somam-se denúncias. A situação da companhia, que está a braços com problemas graves e já se viu forçada a cancelar vários voos, continua a dar que falar. O i sabe que vários trabalhadores, de bases diferentes, têm estado a receber cartas “intimidatórias”.

“São cartas que alguns assistentes de bordo começaram a receber em algumas bases da Ryanair”, explica fonte ligada à situação que se vive atualmente na companhia.

Um dos maiores problemas para estes trabalhadores tem sido a pressão para que sejam feitas vendas a bordo e as penalizações para quem não cumprir os objetivos. Falamos de consequências pesadas em termos financeiros, mas não só. Numa carta a que o i teve acesso pode ver-se que uma das implicações é a possibilidade de haver “processos disciplinares”. Além disso, para que as condições financeiras sejam recuperadas, é necessário que o trabalhador consiga alcançar os objetivos estabelecidos pela empresa durante um determinado período. No caso em questão, a carta foi recebida a 17 de novembro. A próxima avaliação será feita apenas em janeiro de 2018. Só a partir dessa altura é que a situação destes trabalhadores pode ser alterada. No entanto, falamos de colaboradores que recordam que têm de pagar curso e uniforme, levar comida para o voo e vender um número definido de raspadinhas, cosméticos, snacks, produtos de bar, etc. – pré-requisitos difíceis de atingir, dos quais depende o vencimento mensal.

Há alguns meses, a questão veio a lume em Portugal, mas a verdade é que, por ser uma companhia irlandesa, a empresa consegue basear os contratos em Dublin, conseguindo assim fugir à legislação dos outros países.

Na barra do tribunal

A Ryanair perdeu, em setembro, no Tribunal de Justiça da União Europeia depois de ter tentado forçar os colaboradores que trabalham em bases fora da Irlanda a verem as disputas serem tratadas em tribunais irlandeses.

A ideia da tripulação de cabina era que o caso fosse julgado num tribunal belga por achar que a lei seria mais favorável, mas a companhia entendeu que o melhor seria que o caso fosse julgado na Irlanda. De acordo com a Reuters, o tribunal salientou “que no que diz respeito aos litígios relacionados com contratos de trabalho, as regras europeias visam proteger a parte mais fraca”. E é aqui que se enquadra o facto de “as regras permitirem, entre outros aspetos, que os colaboradores recorram aos tribunais que considerem mais próximos dos seus interesses”.

Para Philip von Schoeppenthau, da European Cockpit Association, trata-se de uma decisão “histórica” e de um “raio de luz para os milhares de trabalhadores que se esforçam para encontrar proteção legal no local onde estão destacados, ao invés de serem obrigados a procurar recursos judiciais na Irlanda”.

Os trabalhadores em questão tinham contratos de trabalho realizados de acordo com as leis irlandesas, já que eram feitos como se os colaboradores lá trabalhassem. No entanto, a base destes trabalhadores era o Aeroporto Charleroi, na Bélgica.

Ficou decidido que o caso voltaria então para as barras da justiça belga, que dará a decisão final sobre o assunto.

Violação de leis laborais

As más condições de trabalho oferecidas pela companhia aérea de baixo custo têm estado na ordem do dia. Já em 2013, a Ryanair tinha sido condenada a pagar dez milhões de euros por violar leis laborais. Neste caso, a transportadora aérea enfrentava várias acusações pela sua operação em França.

A esta condenação, que previa indemnizações e juros, juntava–se ainda uma multa de mais de 200 mil euros. Também aqui as acusações tinham a ver com o facto de a Ryanair registar os trabalhadores empregados em França como trabalhadores irlandeses, impedindo o funcionamento de plenários e acesso a sindicatos no Aeroporto de Marseille-Marignane.

Neste caso, a Ryanair tinha empregado mais de 120 pessoas sem aplicar as leis francesas nem preencher qualquer documento de impostos do país em questão.

Como forma de penalizar a companhia aérea de baixo custo, o Ministério Público chegou a pedir que fossem confiscados quatro Boeing 737 por considerar que a multa aplicada era muito baixa. Mas o pedido acabou por ser rejeitado pelo tribunal. Os factos remontam ao período entre 2007 e 2010.

Êxodo de colaboradores De desculpa em desculpa, a Ryanair tem tentado fazer face ao polémico cancelamento de vários voos. Inicialmente, a empresa garantia que se tratava de um problema ligado à sua baixa pontualidade, mas mais tarde apareceu a história das férias. O presidente executivo da Ryanair, Michael O’Leary, sublinhou várias vezes que o problema com os pilotos tinha a ver com uma falha no planeamento de férias e garantiu que não faltam trabalhadores, No entanto, só a concorrente Norwegian Airlines já contratou mais de 140. De acordo com a associação de pilotos irlandesa, só neste último ano financeiro, a transportadora aérea de baixo custo já perdeu 700 pilotos.