«A poesia está na rua»

Já não é a primeira vez que uma frase sobre poesia vem ao meu encontro. Desta vez, foi a minha amiga Alda que encontrou esta frase em Tomar. Inicialmente, o autor escreveu «A poesia está na rua» e, posteriormente, alguém escreveu outro verbo para que se lesse: «A poesia vende-se». Iremos ignorar a composição posterior,…

Já não é a primeira vez que uma frase sobre poesia vem ao meu encontro. Desta vez, foi a minha amiga Alda que encontrou esta frase em Tomar. Inicialmente, o autor escreveu «A poesia está na rua» e, posteriormente, alguém escreveu outro verbo para que se lesse: «A poesia vende-se».

Iremos ignorar a composição posterior, porque, havendo livros de poesia à venda, a poesia em si não se vende e, sobretudo, não se rende. Assim, centrar-nos-emos na frase poética «A poesia está na rua», porque, efetivamente, se olharmos atentamente à nossa volta, e observarmos o que nos rodeia, vemos que há poesia na rua; há poesia na vida, há poesia em nosso redor. Mas só pode ver esta poesia quem tiver o olhar desperto para observar os pequenos detalhes do mundo.

A poesia é feita de sensações, de pequenas nuances, de pequenos «nadas» e, como tal, é fácil não nos apercebermos dela. Como diz António Rego, em artigo recentemente publicado: «um poema (…) tem asas, (…) rasga a fronteira dos horizontes, das convenções, atreve-se a passar as nuvens, não se prende a fórmulas, esvoaça, livre como a alma. O poema dá-me a certeza: a alma existe e está lá discretamente escondida na folhagem das palavras nos tons mesmo azedos que perguntam sem querer resposta, nas dúvidas que se escondem dentro de todos os humanos». É bem verdade o que afirma. Realmente, o poema está escondido na «folhagem das palavras», até que um poeta, atento à alma das coisas, o descobre e o partilha connosco, mesmo que, como refere Florbela Espanca, não tenha noção de que faz poesia: «Versos! Versos! Sei lá o que são versos… / Pedaços de sorriso, branca espuma, / Gargalhadas de luz, cantos dispersos, / Ou pétalas que caem uma a uma…»

Mesmo quem não é poeta tem, por vezes, em si, poesia suficiente para ver a realidade numa coloração muito particular e bela. Uma gota de orvalho, uma pétala colorida, o sol que é refletido numa poça de água, tudo pode conter poesia, se for visto por olhos que, com sensibilidade poética, interpretam a realidade que a todos rodeia. Como, simbolicamente, afirma Adília Lopes: «Escrever um poema / é como apanhar um peixe / com as mãos»… E todos imaginamos como tal será difícil!

Citando, novamente, António Rego, poderemos afirmar que: «O poema é, ele mesmo, senhor do seu universo, ímpeto criador, a um tempo santo, sábio e louco, deixando a lógica de lado, só permitindo a fala do coração e a sua inexcedível linguagem». Porque, efetivamente, o poeta, ao observar o mundo, interpreta-o e transporta-o para dentro de si, de onde sai transformado na realidade que o poeta reflete – distorcida, mais bela ou mais cruel, mas sempre mais poética. É fácil percebê-lo, por exemplo, ao ler o breve poema de Ana Cristina César: «houve um poema / que guiava a própria ambulância / e dizia: não me lembro / de nenhum céu que me console, / nenhum».

O poeta transforma o real em sonho e o sonho em real, mesmo que tal real seja impossível ou pouco plausível. Como se, no seu sonho, o poeta pudesse viver um só dia, para sempre…

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services