Pedro Rodrigues. “A juventude de uma liderança não depende da idade. É ver Bernie Sanders”

Apoia Rui Rio. O seu movimento apresentará um livro e moções ao congresso. Vai rever os estatutos do partido com santanistas e rioístas. “O PSD não pode perder mais oportunidades”.

Há um entusiasmo sem ansiedade. Pedro Rodrigues foi líder da JSD, deputado, apoiante de Manuela Ferreira Leite e crítico de Passos Coelho, apoiando agora, “com naturalidade”, Rui Rio. Há um ano que o jurista de profissão, mais distante da política desde de uma corrida perdida para a distrital de Lisboa, tem trabalhado um regresso. O “habitat natural”, que é como gosta de chamar aos congressos do partido, está à porta. E Rodrigues traz embalo. O movimento Portugal Não Pode Esperar – que fundou há cerca de um ano, com uma dinâmica alternativa à que então o PSD revelava na oposição – é por si encabeçado e exibirá um livro em evento para os quais estão convidados os dois candidatos à liderança, tendo Pedro Passos Coelho sido convidado para apresentá-lo. Será em janeiro. A edição contém projetos para “cada área-chave do país” e não inibirá o movimento de levar moções ao congresso. Fora do grupo, Rodrigues integra também uma equipa de revisão estatutária do partido, que conta tanto com santanistas como com rioístas. Se em 2017 não se podia esperar, 2018 está já de porta aberta.

Culpas autárquicas

Mas no seu último ano não couberam apenas expectativas, havendo também espaço para advertências. A preparação para as eleições autárquicas, nas quais o PSD sairia depois derrotado, foi antes questionada por Pedro Rodrigues, chegando até a pedir a saída de José Eduardo Martins – o homem que sairia derrotado em Lisboa como coordenador do programa local e candidato à Assembleia Municipal. Parecia-lhe “óbvio” que a trajectória  autárquica culminaria nos resultados negativos que se confirmariam, mas admite-se “surpreendido” com o terceiro lugar na capital. Com trabalho feito “com tempo”, acredita que Fernando Medina seria derrotável. “Ou não teria perdido a maioria absoluta como perdeu”. Ainda que apoie Rio, não culpa Pedro Santana Lopes pela derrocada lisboeta. “A responsabilidade é de quem definiu a estratégia. E quem definiu a estratégia foram a concelhia e a distrital do partido”. Não crê que o facto de Santana ter “argumentado que estava apaixonado pelo trabalho na Santa Casa” retire legitimidade à sua candidatura a presidente do PSD hoje. “Não discuto isso. São paralelos diferentes. Acho até que muitas das críticas que lhe têm sido feitas são indevidas. Santana Lopes só dignifica esta corrida”, considera, atirando “a quem dizia que o PSD não tinha alternativas” que as candidaturas de Rio e Santana mostram “precisamente o contrário”. 

Filetes de geringonça

Ao almoço, Rodrigues prefere falar do que aí vem. Aguardou o i já de mangas de camisa e bloco de notas em cima da mesa. A água, fresca, seria mais tarde repetida para acompanhar filetes de garoupa – prato que tem hábito pedir no restaurante cheio, onde o cumprimentam dois clientes e o telefone foi sendo ignorado. Sobre a corrida, que tem agora sido feita essencialmente de questões menos programáticas, Rodrigues afirma que “se o PSD quer montar uma alternativa a este PS” – que considera um Partido Socialista “diferente do tradicional”, mais radical e “ bem distante da linha de Guterres ou Jaime Gama” – terá que “introduzir novos temas”. “Há tempo para discutir ideias, mas é fundamental que esse debate se faça para que o país entenda o projeto que o PSD tem para si”, concede. “Aquilo que eu senti [na volta que fiz para a elaboração do livro do Movimento] foi que há setores na sociedade civil portuguesa que não se revêem num Estado fiscalmente asfixiante, mas que também não se revêem num Estado que se demite das suas funções essenciais”. Fala na importância dos “inovadores” – foge ao clichê do empreendedorismo e das empresas como Deus ou como Diabo -, acreditando que é deles que “se consegue progresso; seja económico, seja social”. “Não abdico de pensar para um centro político moderado, do centro-direita ao centro-esquerda, mas também não abdico de querer uma maioria que seja verdadeiramente reformista”, diz. “Essa alternativa tem de ser liderada pelo PSD. E o PSD só conseguirá liderar, transformando-se: internamente e no modo como se relaciona com a sociedade”. Não desvenda grandes conclusões sobre a tal revisão estatutária, por respeito aos vários membros com que partilha o projeto, mas não tem dúvidas que a reconstrução do elo entre o partido e o eleitorado passa por aí. As reformas internas “foram sendo adiadas”, como, aliás, “a maioria das reformas que fazem falta fazer”. E Rodrigues acredita que Rui Rio é o nome para finalmente fazê-las. 

“Eu lembro-me de ver Passos Coelho, quando chegou à liderança do partido, querer reformar o PSD para a modernidade. Depois, o ciclo político precipitou-se, foi-se para governo, e todas as reformas internas foram adiadas. Eu percebo isso: antes do PSD, estava o país. Mas quando se voltou à oposição, nada se fez…”, aponta. “Não podemos perder mais oportunidades. Os mecanismos de diálogo com os setores mais dinâmicos da sociedade, não necessariamente integrados no PSD, têm de ser pensados – ou arriscamo-nos a perder a corrida”, avisa de seguida. Defende até que o modo de eleição do líder deve ser mudado, na medida em que o partido “não é presidencialista”, a comissão política de cada candidato a presidente pode também ser votada. “São temas a reflectir”, resguarda-se, elevando os contributos dos vários membros do grupo da revisão estatutária, como Rui Gomes da Silva e Carlos Eduardo Reis (com Santana) e académicos como Eduardo Vera Cruz e Francisco Pereira Coutinho. Separa a revisão do seu movimento devido ao facto de o “movimento ter diversos independentes”, enquanto a revisão estatutária é “naturalmente um assunto para militantes”. 

Insiste na questão da “radicalização do PS”, ainda que entendendo que “as falhas práticas do Estado” tenham pesado mais no eleitorado do que os “princípios ideológicos”. O seu ponto é a não separação entre ambos. “Repare que as falhas do Estado – na Saúde e na Proteção Civil, por exemplo – são consequência de escolhas ideológicas deste governo: é preciso é explicar porquê”. Na oposição, “claro que a consequência é mais importante que a ideologia”, mas “não devemos esquecer as causas de cada falha”. O problema, “nos últimos dois anos”, terá sido apontar à ideologia “nas áreas erradas”. “Resumir a oposição às questões economico-financeiras quando o ciclo económico é de crescimento não tem sentido”, observa, nesse sentido. E é com Rui Rio que isso vai mudar? Pedro Rodrigues pousa os talheres no prato e afasta uma espinha. “Desde o ínicio da campanha que Rui Rio tem falado de diversas ideias para Portugal. Não o tenho ouvido sequer falar particularmente sobre essas questões [economico-financeiras]. O rigor nas contas públicas é, hoje, uma verdade de bom-senso, tanto para a esquerda como para a direita. Ou não viu os cartazes do PS a celebrar o défice?”, pergunta de volta ao i, em jeito de graça. “Não é isso que distingue os dois candidatos”, continua”. “É certo que Rui Rio defende contas sãs há muitos anos na gestão política, mas ninguém o pode acusar de não defender também a reforma do Estado, da Justiça, do território. É uma questão de ouvi-lo”, sugere, já com os filetes no final. 

Rio, o sanders português?

O i reverte a questão. Não considera que Rio seja pior que Pedro Passos Coelho no que diz respeito à sensibilidade social? A resposta já não tem prato à frente, mas chega. “Deixe-me dizer que não considero, pessoalmente, que Passos Coelho tenha sido um primeiro-ministro com falta de sensibilidade social. Mas para responder à pergunta sobre Rui Rio, basta olhar para o trabalho social desenvolvido na Câmara do Porto: reabilitação de bairros sociais, apoios aos mais carenciados. Esse trabalho foi feito e não creio que seja descartado de um ponto de vista mais nacional. Creio, aliás, que esse é o melhor exemplo de que como é possível conciliar a necessidade de responsabilidade financeira com o desenvolvimento de políticas sociais”. 

Como líder de um movimento essencialmente mais jovem, a questão etária não o apoquenta. Não sente que haja uma geração “a faltar à chamada” para estas diretas. “A questão da renovação geracional tem sido muito discutida, mas talvez de forma deslocada. A renovação não se faz pela idade dos protagonistas, faz-se com mobilização”, sustenta. Para Rodrigues, a juventude de cada liderança “não depende da idade”. “Ou já esquecemos a estrondosa renovação política que Bernie Sanders fez nos Estados Unidos?”, inquire, lembrando a adesão da juventude norte-americana “à agenda desruptiva” do senador de Vermont. “Quem procurou a etiqueta da ‘renovação geracional’, quem se promoveu como proto-candidato nos últimos anos, não apareceu por uma razão muito simples: não galvanizariam ninguém”. Do seu ponto de vista, é Rio que pode protagonizar essa “renovação” pelos vários “quadros do partido e não só” que tem consigo. “Se o fará ou não, só o tempo o dirá”.