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O verão certo para este filme Realidade, ficção, difícil será descobrir onde termina uma e começa a outra, ainda que, além do estilo, de documental não haja nada neste “Verão Danado” de Pedro Cabeleira. Verão danado não é só título, é conceito, fase da vida, definição de Pedro Cabeleira para o que vem depois do…

O verão certo para este filme

Realidade, ficção, difícil será descobrir onde termina uma e começa a outra, ainda que, além do estilo, de documental não haja nada neste “Verão Danado” de Pedro Cabeleira. Verão danado não é só título, é conceito, fase da vida, definição de Pedro Cabeleira para o que vem depois do último ano de escola, hiato entre o tempo em que a vida deixa de ser cumprir com o que se exige de quem estuda para se fazer o caos que vem com esse vazio do “e agora”. E tanto tem de realidade “Verão Danado” que verão danado foi esse em que Pedro Cabeleira se atirou para o seu primeiro filme, direto para a longa-metragem, logo depois da escola. Sem dinheiro, apenas com tempo. O seu, o dos amigos que ajudaram a compor a equipa – Leonor Teles, Urso de Ouro com a curta “Balada de Um Batráquio”, é diretora de fotografia – e um elenco de atores mais desconhecidos do que os seus desempenhos no filme, com todas as condicionantes, rodado em pouco mais de 40 dias distribuídos por sete meses, fazem crer parecer. Depois de um longo processo de edição e pós-produção que acabaria por levar o filme a Locarno, onde em agosto foi distinguido com uma menção especial na secção Cienastas do Presente, Pedro Cabeleira, que explicou a decisão de partir para uma longa com o receio de, perdida a ligação à Escola Superior de Teatro e Cinema, não chegar a conseguir fazer uma que fosse na vida, não só atirou para canto essa angústia como se fez realizador. E a julgar pela forma em que nos entrega este seu primeiro filme, “Verão Danado”, que se faz voz de toda a sua geração, ainda bem. 

Não só "Paris, Texas"

Quando em setembro se escreviam obituários para Harry Dean Stanton, tudo era Travis Henderson, personagem de “Paris, Texas” com que Wim Wenders lhe entregava em 1984, ao cabo de 30 anos de carreira, o seu primeiro papel como protagonista. O mais provável é que Harry Dean Stanton, que nunca escondeu que em 90 anos, 60 de carreira, foi sempre Travis o seu personagem querido (“Se não fizesse mais nenhum filme depois deste, seria feliz”, diria numa entrevista dois anos depois), concordasse. Mas outros 30 anos depois, com a idade em que já não se espera de um ator que supere os papéis da sua vida, viria ele aceitar o tributo que Logan Sparks e Drago Sumonja lhe propuseram ao escrever “Lucky”, estreado a semanas da sua morte no Festival de Locarno, e para o qual homenagem – porque Lucky pode parecer contraditório para um ator que carrega a humanidade no rosto, mas será tanto como a celebração da vida quando a morte se aproxima – se tornou palavra curta quando passou a derradeira, no completar de um círculo comoventemente perfeito. Quanto mais a história avança, e Lucky segue nesta sua viagem espiritual, mais certezas de que Lucky pode não ser só, mas é muito sobre Harry Dean Stanton, que o destino parece ter deixado viver na medida justa para terminar este filme. E entre especulações para uma possível nomeação para um Óscar póstumo, que seria a sua primeira, há ao menos uma certeza. A de que neste filme de um ator – John Carroll Lynch, bem à altura da responsabilidade nesta sua estreia na realização – para outro, Lucky não é menos do que Travis na carreira de Harry Dean Stanton.