Londres cede na questão do Brexit

Governo britânico vai aceitando as condições da UE. Na segunda, May estará em Bruxelas para dizer que paga 50 mil milhões de libras. Irlanda joga papel decisivo no desenrolar das negociações. 

Theresa May almoça na segunda-feira com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. A primeira-ministra britânica leva uma proposta de 50 mil milhões de libras, a pagar pelo Reino Unido pela sua saída, e a vontade de prolongar o fim do prazo das negociações, tendo em conta que há questões como a fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte, a jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça e detalhes do acordo financeiro que ainda estão por finalizar.

Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, sublinhou que segunda-feira é o «prazo definitivo» para que possam ser preparadas a tempo as conclusões da cimeira europeia, mas o governo britânico está a pensar na possibilidade de prosseguirem as conversações até lá: «Sempre dissemos que estamos a trabalhar em função do Conselho Europeu, que é a 14 de dezembro», disse ontem James Slack, porta-voz de May, aos jornalistas.

Em Londres, o Executivo está convencido que a abertura demonstrada nas últimas semanas de negociações, a cedência a pretensões da UE e mais do que a duplicação da verba, de 20 mil milhões (22,7 mil milhões) para  50 mil milhões de libras (56,77 mil milhões), dê a Bruxelas o sinal da flexibilidade britânica nestas negociações.

No entanto, a Irlanda quer garantias do Reino Unido até à cimeira de 14 de dezembro de que não haverá divergências em relação ao acordo fronteiriço com a Irlanda do Norte, para evitar que volte a surgir «uma fronteira na ilha da Irlanda», nas palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros irlandês, Simon Coveney, em declarações à BBC Radio. Para Dublin, só depois disso se poderá iniciar as negociações sobre a relação comercial futura entre Londres e Bruxelas.

Donald Tusk já sublinhou que a Irlanda tem a última palavra no que diz respeito à passagem à segunda fase das negociações. «Deixem-me ser muito claro: se a oferta do Reino Unido for inaceitável para a Irlanda, também será inaceitável para a UE. Sei que para alguns políticos britânicos isto pode ser difícil de perceber, mas esta é a lógica por trás do facto de que a Irlanda é um membro da UE, enquanto o Reino Unido está de saída».

Para Tusk «a chave para o futuro do Reino Unido está – de certa maneira – em Dublin», dizendo ainda que o Governo irlandês será consultado antes que quaisquer diretrizes sejam estabelecidas para as negociações da transição e das relações futuras entre Londres e Bruxelas.

Os mercados financeiros parecem agora mais otimistas em reação ao desenvolvimento das negociações do Brexit. Uma sondagem da Reuters junto de economistas mostra que na sua maioria há um sentimento positivo.

«Com o Reino Unido pronto para honrar totalmente os seus compromissos na fatura do Brexit e uma possibilidade forte de Londres e Dublin acertarem em breve um compromisso na questão da fronteira, vemos agora como mais baixo o risco de que o Reino Unido e a UE se separem sem um futuro acordo comercial para o prazo final do Brexit de março de 2019», afirmou à Reuters Kallum Pickering, economista sénior do banco de investimentos Berenberg.

Phill McDuff, numa coluna de opinião do The Guardian, escrevia ontem que a cedência britânica em toda a linha já era esperada, porque os defensores da posição dura nas negociações «nunca conseguiram compreender que não se pode ‘simplesmente abandonar’ um contrato que já se assinou» sem sofrer penalizações.

Até porque, visto em perspetiva, pagar 50 mil milhões de libras pelo acesso ao mercado europeu acaba por não ser um tão mau negócio quanto isso, afirma McDuff. «Não é assim tão terrível para uma economia no seu todo gastar [essa soma] como um investimento de capital único para manter acesso a algumas instituições internacionais chave».

Pode ser que esta segunda-feira já haja uma conjugações de peças que permita alinhavar a primeira fase de negociações e pensar na próxima fase. Até porque agora é Londres quem pressiona por um acordo de transição o mais cedo possível, aceitando que o Reino Unido se sujeite às leis europeias, aos tribunais europeus, às regras de livre circulação e às contribuições orçamentais para o orçamento comum enquanto durar o período de transição.

Os 50 mil milhões de libras também ajudam a mostrar a Bruxelas que a arrogância inicial dos britânicos ao iniciar as conversações foram limadas pela realidade. E se o Governo de Theresa May garantia que o Reino Unido nada tinha a pagar pelos passivos financeiros acumulados, a sua retórica hoje é diferente.

Também na questão das garantias para os cidadãos europeus, Londres acabou por ceder. Alguma da lei europeia constará de um tratado acordado entre a UE e o Reino Unido. Mesmo não estando sob a alçada do Tribunal Europeu de Justiça. algumas das suas interpretações sobre os direitos dos cidadãos serão reconhecidas pela lei britânica.

Sinal das cedências do Governo britânico são as críticas que merece agora dos apoiantes do Brexit, como Neil Farage, o antigo líder do partido nacionalista UKIP e um dos principais rostos da defesa do Brexit. «Isto é uma completa traição que não é do nosso interesse nacional», disse, citado pela Reuters.