Paulo Rodrigues: “Hoje, o polícia não é garantia de segurança, é mais um a ser agredido”

Natural de Bragança, o líder sindical entende que a justiça condena sempre o polícia em caso de dúvida

No espaço de uma semana aconteceram duas situações muito diferentes em relação à polícia. Temos um caso de um agente que é agredido e outro de uma mulher morta pela polícia. O que tem a dizer sobre estas duas situações tão diferentes?

Começando por esta última, aquilo que é conhecido deixa muitas dúvidas em relação à responsabilidade dos agentes. E digo isto porque estamos a falar de um crime [assalto a caixas multibanco] que é praticado com muita frequência e que tem assolado a população. Ainda há bem pouco tempo algumas pessoas diziam “já não vou comprar casa se estiver por cima de multibancos ou de agências bancárias”. Ou seja, estamos a falar de um crime que começa, de alguma forma, a ter impacto no dia-a-dia das pessoas. É natural que a polícia tenha, relativamente a estes casos, vontade de encontrar soluções, ou seja, reduzir ao máximo possível o crime. Segundo o relato desse crime, há uma perseguição, e entretanto há uma situação de uma tentativa de paragem de uma viatura que não para e, para iniciar a fuga, tenta atropelar um polícia e o polícia reage. Há uma vítima e é de lamentar, mas em termos legais, e segundo este relato que é contado pela própria polícia, enquadra-se a utilização da arma de fogo. Tudo levava a crer que aquela pessoa que não parou e que tentou atropelar o polícia não era propriamente uma pessoa de bem. Se tivesse parado, de certeza que não tinha havido tiros, portanto, o problema tinha-se resolvido.

E a história do polícia agredido?

Aquilo que estamos a sentir nos últimos meses é, de alguma forma, um desrespeito pela autoridade do Estado. Como já foi referido, agredir um polícia não é só agredir aquele cidadão que é polícia, é agredir uma instituição e é agredir a autoridade do Estado. E esta falta de respeito pela autoridade do Estado leva-nos a outras situações, que é justamente o não respeitar a ordem de paragem, e já houve outras situações, por nada. Às vezes, porque a pessoa ia com álcool e desrespeitou, porque tem a plena certeza de que, mesmo que depois seja apanhado, a gravidade de ter fugido à polícia não é relevante, ou seja, a resposta da própria justiça não é relevante, não há uma pena que desmotive uma próxima vez. Isto acontece em todas as situações no plano em que a polícia atua. Nós sentimos isso na atuação diariamente, sentimos isso na falta de autoridade, há uma ideia de desrespeito pela autoridade do Estado. E se compararmos com há uns anos, quando um polícia numa rua era um sinal de segurança, hoje, um polícia sozinho numa rua é um alvo, pura e simplesmente, e tem muita sorte em sair dali – ainda para mais em períodos noturnos e em determinados locais – sem ser agredido, no mínimo. Esta é a realidade com que trabalhamos e, por isso, a própria polícia tem de se preparar para essa realidade, mas é importante que a própria sociedade tenha em atenção todas estas situações que começam a acontecer com regularidade. Uma coisa é os polícias fazerem fogo sobre uma viatura que não para sem saber porquê, outra é haver um conjunto de episódios – e neste caso houve perseguição de uma viatura que se pensava que era aquela mas, se mesmo nessa situação o condutor tem imobilizado a viatura, não se iniciavam os disparos. 

Estes polícias, por exemplo, que já percebi que não sabe quem são, quantas vezes por ano têm treino de tiro? Em que circunstâncias são treinados para responder a este tipo de situações? 

A formação ideal seria um dia de serviço, um dia de formação, essa é que era a ideal. Mas neste caso em concreto, essa questão da formação não se coloca. Primeiro, porque neste momento os polícias, todos os anos, têm pelo menos uma formação, mas a cada dois anos tem uma certificação de tiro para avaliar se têm capacidade de manuseamento da arma, se têm capacidade em termos de pontaria, e fazem um teste teórico onde saem perguntas sobre a lei de utilização de armas de fogo, sobre uma norma de execução permanente, interna, que é como se deve usar a arma de fogo, em que circunstâncias e de que maneira, e quais são as circunstâncias em que se pode usá-la de forma passiva ou ativa. Se a pessoa não passar é-lhe retirada a arma, é remetido para um treino mais exigente ou mais rigoroso durante um curto espaço de tempo até que fique apto novamente e consiga passar nos testes, para lhe voltar a ser dada a arma. A formação nunca é ideal, podíamos ter mais formação, mas neste caso em concreto não me parece que os polícias – até porque estão em equipas de intervenção rápida – tivessem utilizado a arma de fogo se as circunstâncias não o permitissem…

Mas é uma arma de fogo. Se eu tiver mais treino, em vez de disparar para cima, posso disparar para os pneus…

Sim, mas repare, não acredito que o elemento tivesse disparado para a pessoa que acabou por falecer, não acredito nisso.

Sim, mas é um facto que aconteceu. Acha que o treino é suficiente?

Foram disparados, segundo dizem, 30 ou 40 tiros. Se houvesse um elemento ali que não estivesse à vontade para utilizar a arma de fogo, não a utilizava. Estamos a falar de elementos que não chegaram hoje da escola. São elementos que estão nas equipas de intervenção rápida, que tem elementos entre o corpo de intervenção e a polícia normal, que tem, por norma, já alguma experiência e perfil para o conhecimento tático e técnico, até porque esses elementos têm mais formação – e a formação também é em trabalho de equipa. No fundo, há uma formação um pouco acima do pessoal da esquadra. Quando se quer atingir a parte do motor para imobilizar a viatura, às vezes pode acontecer um acidente. É como um médico: quando está a operar, pode acontecer, a ideia não é cometer um erro. Segundo o relatado pela polícia, o conjunto de episódios justificaram aquela intervenção. De acordo com o que está na lei e no nosso regulamento de utilização de meios coercivos, está perfeitamente enquadrado.

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