Antes os cromos da bola

O unanimismo é irmão gémeo do seguidismo e filho da ignorância, do medo, ou de ambos. Onde não há saber, falta o sentido crítico; onde há medo, não existe espaço para a diferença. O rebanho segue o ‘pastor’, seja ele o do campo, o da igreja ou o da política. Segue porque todos o fazem,…

A aceitação acrítica das ideias e o repetir de ideias feitas são bem visíveis na política e na economia.

Um exemplo: há 15 anos, os bancos competiam arduamente pelo crédito à habitação. ‘Era mais seguro, dispersava o risco e fidelizava os clientes’. Depois veio a crise e, com ela, o unanimismo: ‘crédito às cegas, uma imprudência, uma irresponsabilidade!’. E estas foram as acusações mais brandas ouvidas de jornalistas, analistas, políticos e académicos, que não arriscam discordar do que se escreve nas redes sociais.

Os bancos centrais também condenaram e fizeram-no com inesperada severidade.

Foi assim na Europa e nos Estados Unidos. E foi essa a sentença das troikas que, ainda no aeroporto, decretavam sem titubear: ‘andaram a viver acima das possibilidades!’. Terão esquecido que, na época, ‘os mercados’ exigiam a expansão, e que, todos eles – FED, FMI, BCE, Comissão Europeia, governos dos países – se submeteram às sentenças das agências de rating? Ou serão complexos por nada terem feito para atalhar ‘o erro’?

O óscar do ridículo vai para os bancos centrais, que nos brindaram com proclamações da mais completa indigência. A mais estúpida foi a exibição de números da ‘concentração no imobiliário’, metendo no mesmo saco o crédito à promoção, à construção, à habitação e às obras públicas, quando qualquer aluno do primeiro ano de Economia sabe que o crédito à habitação é ‘risco das famílias’ – risco de recessão económica, que dita o desemprego – e que o crédito às obras públicas é ‘risco do Estado’ e não das empresas do imobiliário.

Passaram três anos, as economias mostram sinais tímidos de recuperação, e regressam, em força, as campanhas de crédito à habitação, com a bênção dos ditos bancos centrais.

A construção volta a ser ‘o motor do relançamento económico’ e o crédito à habitação é, de novo, virtuoso, porque ‘é seguro e distribui o risco!’. Isto para não falar do crédito automóvel, que está a disparar.

Informa o Boletim Estatístico do Banco de Portugal que a dívida dos particulares ao setor financeiro subiu 200 milhões de euros em setembro, face ao mês anterior. Alguém se incomoda com isso? Onde estão os críticos? Lá porque o povo anda feliz, com o ‘popó’ novo, acaso a economia vai no bom caminho?

Tenho dúvidas. Recordo os ‘entusiasmos’ dos governos de Sócrates, e temo pelas consequências de tanta satisfação. Antes os ‘cromos da bola’: são uns ‘pintas’, enchem-nos o saco, mas não há ali um pingo de unanimismo. Seguem a voz do dono? Claro! Mas não correm atrás do que se diz nas redes sociais, e não se submetem à lei do interruptor: tempo para calar e tempo para ladrar. Simplesmente, discordam. E batem-se pelas suas causas… com pertinácia, arreganho e pundonor!