Orlando Figueira. “Chegou a altura de dizer basta e de contar toda a verdade!!!”

Procurador acusado de ser corrompido por vice-presidente angolano entregou um documento que coloca Proença de Carvalho e Carlos Silva no centro da Operação Fizz. Requerimento, a que a “Sábado” teve acesso, foi entregue após contestação de advogado do Estado angolano revelada pelo “SOL”

Orlando Figueira, o magistrado que foi acusado pelo Ministério Público de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente, decidiu abrir o jogo e contar tudo o que sabe. O antigo procurador de Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) implica o advogado Daniel Proença de Carvalho no caso e deixa claro que o envolvimento de Manuel Vicente não corresponde ao que é descrito na acusação.

O advogado do Estado angolano, também arguido na Operação Fizz, já tinha apontado o dedo a Proença de Carvalho e ao banqueiro Carlos Silva, vice-presidente do Millennium/BCP e presidente do Banco Português do Atlântico.

Agora, segundo avançou ontem a “Sábado”, foi a vez do procurador que teve em mãos diversas investigações que visavam cidadãos angolanos contar o que sabe, num requerimento entregue no Juízo Central Criminal de Lisboa. De acordo com o documento a que a revista teve acesso, Orlando Figueira terá assumido que até hoje não tinha contado o que se passou para respeitar um “acordo de cavalheiros” que tinha feito com  Proença de Carvalho. Isto porque, em troca, este advogado, que fazia uma ponte com terceiros, lhe prometeu um emprego no futuro e o copagamento das despesas da sua defesa, no âmbito da Operação_Fizz. A versão que consta neste requerimento, bem como a mudança na estratégia da defesa, foi confirmada ontem ao i por fonte próxima deste processo.

O antigo procurador do DCIAP era defendido até ao início de novembro por seis advogados da sociedade ‘CuatreCasas’ (Paulo Sá e Cunha, Miguel Coutinho, Marta Saramago de Almeida, Carolina Mouraz, Rita Travassos Pimentel e Cátia Muchacho), que entretanto renunciaram à sua defesa. A nova estratégia, a cargo da advogada oficiosa Carla Marinho, passará por uma colaboração mais ativa com a Justiça. “Chegou a altura de dizer basta e de contar toda a verdade!!!”, refere o requerimento entregue no tribunal.

Alguns juristas contactados pelo i, explicam que esta tese do “acordo de cavalheiros”, a confirmar-se, configuraria um crime de favorecimento pessoal – que consiste em alguém impedir que uma autoridade consiga provar que outra pessoa cometeu um crime.

 

A versão da acusação

No âmbito da Operação Fizz, Manuel Vicente foi acusado de um crime de corrupção ativa, de um crime de branqueamento e de um crime de falsificação de documento. Já o ex-procurador do DCIAP Orlando Figueira foi acusado por corrupção passiva, branqueamento, violação de segredo de justiça e falsificação de documento. Foram ainda acusados Paulo Blanco, advogado que representou o Estado angolano em vários processos, e Armindo Pires, da confiança de Manuel Vicente.

Em causa estão, de acordo com o Ministério Público, alegados pagamentos do ex-vice-presidente de Angola ao magistrado português (cerca de 760 mil euros), para que este arquivasse um inquérito que corria contra si. O início do julgamento deste caso está marcado para janeiro, mas nas últimas semanas os acusados têm contado versões diferentes da da acusação. A defesa de Paulo Blanco afirmou mesmo que o MP_só não chegou aos responsáveis do esquema porque não quis.

 

A contestação de Blanco

Como o “SOL” revelou no último mês, a contestação de Paulo Blanco – entregue no tribunal aquando da marcação da data para o início do julgamento – apresenta uma versão dos factos também explosiva e comprometedora para duas figuras influentes dos dois países que não foram acusadas no processo Fizz: Carlos Silva, vice-presidente do BCP e presidente  do Banco Privado Atlântico, em Portugal e Angola, e Proença de Carvalho, advogado do primeiro. E vai ao encontro do que Orlando Figueira vem agora dizer no requerimento apresentado.

Na versão de Paulo Blanco, o banqueiro e o conhecido advogado português são as principais figuras da alegada corrupção ao procurador Orlando Figueira. No documento são reveladas conversas com o procurador Rosário Teixeira, convites enviados a Pinto Monteiro, reuniões com Cândida Almeida, a intervenção do procurador-geral da República de Angola, contratos de trabalho e até relacionamentos entre procuradores do DCIAP.

O advogado, que além do Estado angolano também representou Manuel Vicente noutros inquéritos, pediu o levantamento do sigilo profissional para poder contar tudo o que se passou nos almoços e encontros em que ele próprio participou, deixa claro que o Ministério Público (MP) não terá entendido quem realmente lucrou com a intervenção de Orlando Figueira.

Blanco contesta a acusação – que considera que foi ele que, fez a ponte entre o magistrado português e a cúpula angolana com o objetivo de se alcançar um arquivamento de um processo envolvendo Manuel Vicente – e assegura que nunca fez qualquer intermediação ou tentou influenciar os magistrados do DCIAP.

No documento entregue no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa é referido que os investigadores não quiseram chegar aos reais suspeitos: “O MP sabe – e tem elementos no processo que o demonstram – que não perseguiu quem ‘podia’ perseguir, infletindo no sentido de arquitetar uma versão dos factos que nada coincidiu com a realidade”.

E essas personagens que foram esquecidas, segundo o advogado, são os “intermediários na execução do eixo central da factologia criminógenea” que a acusação diz ter existido.

Apesar de garantir que não  intermediou qualquer encontro ou acordo de contrapartidas em troca de arquivamentos de processos, Blanco admitiu ter estado em alguns encontros e almoços onde muitos dos assuntos foram falados, inclusivamente a vontade expressa de Orlando Figueira deixar o DCIAP – isto num momento em que estava à frente de inquéritos que visavam cidadãos da elite angolana. O advogado do Estado angolano conta ainda pormenores sobre a visita de Orlando Figueira e do seu colega Vítor Magalhães a Luanda, viagem que aconteceu, diz, a convite  procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa, via procurador-geral da República de Portugal, Pinto Monteiro – defendendo que não foi o próprio a intermediar tal convite como diz a acusação.

 

O papel central de Proença

Blanco explica igualmente que houve dois almoços em Lisboa com o banqueiro Carlos Silva nos quais foram definidos os termos em que o procurador começaria no novo trabalho, no Banco Privado do Atlântico.

Mais tarde, porém, e para evitar associações, o contrato acabaria por ser assinado com a Primagest, que segundo Blanco não passa de “um mero veículo do Banco Privado Atlântico, SA, de direito angolano”.

Nesta contestação, Proença de Carvalho – advogado de Carlos Silva – surge como tendo tido um papel central.

Também o juiz Carlos Alexandre já tinha falado nas ligações a Proença de Carvalho quando foi chamado a depor enquanto testemunha da acusação.

Numa das duas vezes em que foi chamado, o juiz do Tribunal Central de Instrução_Criminal disse que Orlando Figueira, de quem é amigo, lhe tinha dito que tinha sido Proença de Carvalho a resolver a sua situação, em 2015, altura em que precisava de romper o contrato com a sociedade Primagest.

Após o “SOL” ter revelado esta contestação, o advogado Daniel Proença de Carvalho reagiu dizendo que não teve “qualquer intervenção ou sequer conhecimento da contratação do Dr. Orlando Figueira”.

Negando tudo o que fora referido por Blanco, nomeadamente as influências junto de procuradores, Proença garantiu ainda que não conhecia Orlando Figueira: “Nunca tinha tido, por qualquer meio, contacto com ele”.

“É falso que o Dr. Orlando Figueira tenha alguma vez colaborado comigo ou com o escritório a que pertenço. Também não é verdade que eu tenha exercido qualquer cargo no Banco Atlântico, entidade a quem o nosso escritório tem prestado serviços”, disse ainda.

O i tentou ontem, sem sucesso, contactar a defesa de Orlando Figueira, bem como o advogado Daniel Proença de Carvalho para obter uma reação à versão do antigo procurador.