«Queria um dia só viver contigo para sempre»

Esta frase, na Lx Factory, em Lisboa, e que faz parte de uma exposição / intervenção, contém profunda poesia, ao afirmar: «Queria um dia só viver contigo para sempre». E a oposição existente entre «um dia só» e «para sempre» dá realidade poética a esta declaração de amor, de um amor tão intenso que lhe…

Esta frase, na Lx Factory, em Lisboa, e que faz parte de uma exposição / intervenção, contém profunda poesia, ao afirmar: «Queria um dia só viver contigo para sempre». E a oposição existente entre «um dia só» e «para sempre» dá realidade poética a esta declaração de amor, de um amor tão intenso que lhe basta um só dia, desde que a intensidade desse dia único seja da dimensão da eternidade. Ora, como diz Affonso Romano de Sant’Anna: «sem o mito do amanhã não existiríamos. Não fora o amanhã e secaríamos à beira dos caminhos, esboroaríamos como um cascalho no deserto. O amanhã é que fermenta o hoje, que fermenta o ontem».

Há quem prefira viver um longo amor, para sempre, numa sucessão de dias, lado a lado. E há quem prefira, como expressado pela autora desta frase, viver um amor intenso, «eterno enquanto dura», mesmo que durante um só dia. Há quem prefira a duração; há quem prefira a intensidade. Há quem valorize a presença constante, o ombro amigo a seu lado, as vivências partilhadas e construídas ao longo do tempo. E há, também, quem dê mais importância às sensações do momento, às vibrações inerentes a vivências fortes e únicas.

São estas dissemelhanças que enriquecem o mundo e nos tornam verdadeiramente diferentes uns dos outros; são estas especificidades que nos permitem aprender com os outros, e partilhar pontos de vista distintos e formas diversas de olhar a realidade. É esta diversidade que torna o ser humano único e irrepetível, que faz com que a vida valha a pena ser vivida, sobretudo se aceitarmos e respeitarmos o modo de viver das outras pessoas, se valorizarmos as suas opiniões, o seu modo de ver o mundo. Porque é a diversidade que torna o mundo interessante e nos torna interessantes, é a multiplicidade que dá cor, cheiro, sabor, som a um mundo que, de outra forma, seria demasiado padronizado e sem interesse, um mundo onde, por tudo ser igual, tudo se tornaria mecanizado e inerte. A vida está exatamente na diversidade, nos milhões de seres humanos com quem partilhamos este planeta e com quem, graças a tecnologias evoluídas, podemos aprender novas formas de ver o mundo, de o interpretar, de o valorizar. Seres humanos que, também, infelizmente, acabamos por relegar para a invisibilidade. Ou, como diz Daniel Faria: «Homens que são como lugares mal situados / Homens que são como casas saqueadas / Que são como sítios fora dos mapas / Como pedras fora do chão / Como crianças órfãs».

É a convivência entre pessoas de diferentes países, com diferentes culturas, religiões, línguas, tradições, que dá à vida uma intensidade e uma variedade que, de outra forma, não seria possível. É ao perceber o outro e ao valorizá-lo na sua essência, e na sua diversidade, que o respeito, que lhe reconheço pleno estatuto de ser humano. E é através desta interação que também me valorizo, por aprender novas formas de ver e de interpretar o mundo – novas formas, diferentes da minha, mas tão certas ou tão aceitáveis quanto a minha.

Um dos grandes erros do ser humano é o de considerar que apenas a sua perspetiva é correta e apenas a sua cosmovisão é verdadeira. Nada de mais falso! Todas as opiniões, perspetivas e formas de ver o mundo não são certas ou erradas, são formas pessoais (e, como tal, subjetivas) de encarar a realidade. E a visão da realidade é tanto mais completa quantos mais forem os pontos de vista.

Há um conto indiano que ilustra esta questão na perfeição. Três cegos deparam-se com um elefante, mas, como não veem, não sabem que obstáculo têm pela frente, pelo que decidem analisar a situação. Um dos cegos, ao tocar na tromba do elefante, diz aos outros: «Está aqui uma mangueira». Outro, ao tocar na perna do elefante, jura que encontrou uma árvore. E aquele que tocou na cauda do elefante acredita piamente que encontraram uma corda. Pobres de nós, cegos, que, sozinhos, apenas vemos uma parte da realidade… Pobres de nós, cegos, que não queremos ver para além daquilo que está imediatamente à nossa frente. É como se, como diz o poeta António Amaral Tavares, houvesse «uma pedra intraduzível entre nós dois».

Sejamos, pois, capazes de aceitar outras opiniões, de aceitar mesmo aquilo que, para nós, não passa de ruído…

 

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services