O futebol está na lama

No mundo do futebol, a pirâmide encontra-se invertida. Aqueles que deveriam dar o exemplo – os presidentes dos clubes – são os que se comportam pior.

Luís Filipe Vieira, o presidente do Benfica, disse no passado fim de semana que «o futebol está um caos». Não é verdade: o futebol está na lama. E ele também tem contribuído para isso. Há um ditado inglês que diz que, quando se atira lama para uma ventoinha (a palavra é shit…), todos são salpicados. É o que está a acontecer diariamente no futebol português.

Digamos que, no mundo do futebol, a pirâmide encontra-se hoje invertida. Aqueles que deveriam dar o exemplo – os presidentes dos clubes – são os que se comportam pior. E aqueles que deveriam ser os grandes protagonistas – os jogadores, que dão o corpo ao manifesto e fazem o espetáculo –, são secundarizados.

Os presidentes dos clubes, cujo lugar era na sombra, aparecem todos os dias nas televisões e atacam-se uns aos outros numa linguagem abaixo de cão, com destaque para o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho; e depois vêm dizer, com ar de santos, que o futebol está pelas ruas da amargura e precisa de uma limpeza.

Bruno de Carvalho afirmava um destes dias, com todas as letras, que Luís Filipe Vieira é um «idiota»! Neste clima, Pinto da Costa, que no futebol é quem tem mais telhados de vidro, passa hoje por ser um grand seigneur, evitando meter-se em polémicas e mandando um ventríloquo falar por ele.

Os escândalos são constantes. O Sporting lançou o caso dos vouchers, o Porto agitou os emails, o Benfica respondeu com o «Futebol Clube do Polvo».

Os programas desportivos, que agora são quase diários, ocupando os serões dos canais informativos (SIC Notícias, TVI 24, RTP 3 e CMTV, além da Sport TV +), criticam supostamente este estado de coisas mas, na prática, ainda deitam mais achas para a fogueira e incendeiam paixões.

Nos grandes jogos, estes canais acompanham as camionetas das equipas a dirigir-se para os estádios. E dedicam o dia inteiro ao tema: primeiro é a ‘antevisão’ do jogo, depois é o relato (que era um exclusivo radiofónico e se tornou um modelo televisivo, quem diria?) e finalmente são os comentários. Um jogo dura 90 minutos – mas um canal pode dedicar-lhe 24 horas!

Os comentadores agridem-se verbalmente uns aos outros e atiram-se aos árbitros como gato a bofe. Os lances duvidosos passam dezenas de vezes no ecrã, com uns a dizerem que foi penalti e outros a jurarem o contrário. O vídeo-árbitro ainda veio aumentar a confusão, pois além de se discutirem as decisões do árbitro também se discutem as do vídeo-árbitro.

Novas figuras inventadas num passado recente – os famigerados diretores de comunicação – ultrapassam todos os limites da decência, falando em nome dos clubes e dando destes uma imagem lamentável, para não dizer rasca. E, mal acabam os desafios, analisam os lances polémicos não só dos jogos dos seus clubes mas também dos jogos dos adversários, à luz dos seus interesses e conveniências. E até falsificam vídeos para provar a sua ‘verdade’!

A coisa assumiu tais proporções que os árbitros já anunciaram fazer greve – e a ameaça continua pendente.

Noutro plano, descobriram-se cumplicidades entre pessoas dos clubes e gente da Federação, e suspeitas de pagamentos por fora e de luvas a vários agentes desportivos, incluindo presidentes de clubes, nas transferências de futebolistas.

Enfim é um mundo sórdido.

E não se vê maneira de o melhorar, pois ao nível a que se chegou ninguém decente quererá lá entrar. E se entrar é rapidamente enxovalhado. Como aquelas senhoras ingénuas que caem na asneira de se meterem a discutir com as varinas na praça.

O futebol mexe com duas coisas: dinheiro e emoções. São talvez as duas coisas que mais movem os seres humanos.

O dinheiro alimenta o negócio, servindo para comprar jogadores e pagar a todos os que giram à volta do futebol como moscas; e as emoções servem para manter os adeptos alienados à volta do clube do seu coração.

Com estes dois ingredientes, o futebol é imbatível.

Paradoxalmente, os jogadores, sendo os mais jovens protagonistas desta indústria, serão cada vez mais os que se portarão melhor e farão menos figuras tristes. Os que manterão mais a compostura. Imagine-se o que seria se os jogadores seguissem o exemplo lastimável dos presidentes dos clubes…

P.S. – O Benfica apelou à intervenção do Governo no futebol. Ora, falar em Governo é falar em política e em partidos. O que aconteceria ao futebol se, com todos os problemas que já tem, fosse ainda invadido por tricas político-partidárias? Deus nos livre!