É favor aumentar o som: Entre Braga e Düsseldorf

Os discos da semana

Major lazer

Os escritores e os compositores têm folhas em branco. Moleskines, blocos de notas ou ecrãs em branco para preencher. Miguel não, só vê corpos de mulheres. O quarto acelera nas curvas mas modera a linguagem. Transpira fragrância.Chanel n.º5 no pescoço, champanhe na mesa e um prato de ostras. “War & Leisure” é amor em tempos de guerra e luxúria. Um convite ao prazer e à libido, enquanto saem estudos, a dizer que as novas gerações têm menos sexo porque estão tão preocupadas com o ego social que já não têm disponibilidade para se envolver com as outras. “War & Leisure” bebe o cálice amadurecido de Prince e Marvin Gaye para obter o estímulo necessário. Menos maquinal do que os principais antecessores “Kaleidoscope” e “Wildheart”, encontra ainda assim uma válvula futurista para o soul e a funk. O hip-hop está cheio de testosterona adolescente e é a banda sonora da mocidade digital; Miguel já está distante e embora tenha chamado Travis Scott para a excelente “Sky Walker”, está feito oficial e cavalheiro. Convite irresistível. 

Entre Braga e Düsseldorf

AntónioVariações dizia-se entre Braga e Nova Iorque. AMáquina Del Morte aponta a Este e ergue uma ponte aérea entre o Bom Jesus e a motorik. O supergrupo das catacumbas dos arcebispos formado por uma santíssima trindade dos Peixe:avião e smix smox smux pratica o exercício do rock como um cientista em laboratório. Experimentando e elaborando sobre bases universais na história da música elétrica, sem se deter sobre o familiar. Do ruído desconfortável ao ímpeto dançável, surfam sobre o asfalto sem SCUT que os parem. Os porteiros não facilitam a entrada neste “Disco” mas uma vez dentro da cápsula, dá gozo deslindar o mistério. A Máquina Del Amor é uma passagem do tempo desafiante, tão bem pensada quanto executada. O rigor matemático não faz refém a exploração e o resultado é uma fórmula-não-fórmula de pontos de partida definidos e chegadas além-fronteiras. A Máquina Del Amor está bem onde não está. À esquerda dos Peixe:avião, desinstalada, a dançar sobre destroços como num ritual pós-industrial. 

Futuro que era brilhante

1982, o ano de “Blade Runner”, visionário de um futuro pós-Kubrick de ‘parahumanidade’. O matrix dos Liima, banda de apelido bem português, com francas ligações a Lisboa. “1982” foi parido no bairro da Graça onde o ex-Efterklang Casper Clausen encontrou guarida, antes de avistar o paraíso na margem esquerda do rio. Em Cacilhas, onde fixou um estúdio pessoal. É mais difícil ser Trump ou Henrique Raposo num mundo em transformação descontrolada do que cyborg, androide ou replicante mas onde este retro futuro assenta melhor é entre os terráqueos. Humanos, de carne e osso, sem orifícios USB, memórias externas ou cérebros programados para decidir entre 0 e 1. Nessa dúvida binária entre coração e máquina, “1982” bate sempre melhor do lado esquerdo do peito. Quando tenta forjar um futuro híbrido, cai no erro de álbuns recentes como o desastroso “22, A Million” de Bon Iver ou o forçado “Lo-Fi Moda” dos bracarenses Ermo. Se os Efterklang por vezes exageravam na lágrima, os Liima estão demasiado reféns da consola.