Anacronismos e maus costumes…

Jerónimo e Louçã são dois anacronismos: um genuíno, outro com plumagem académica

O PCP é um anacronismo em democracia. O Bloco não é diferente, embora com plumagem académica. 

Enquanto o PCP, pela voz de um dos seus históricos, reclama a honra de ter o único conselheiro de Estado que «não é doutor», o Bloco enfeita-se com os títulos do seu principal guru. Ambos exorcizam, contudo, os ‘capitalistas’, mesmo que estes sejam oriundos de berço humilde e tenham feito fortuna à custa de trabalho exigente e de uma visão rasgada do futuro, como foi o caso de Belmiro de Azevedo.

Ao votar contra o voto de pesar do Parlamento em homenagem à memória de Belmiro de Azevedo – tal como já fizera em julho com Américo Amorim -, o PCP nem procura disfarçar o seu ADN. Já o Bloco ficou dividido: votou contra no caso de Amorim, absteve-se em Belmiro. Afinal, Amorim não tinha nenhum jornal onde Francisco Louçã escrevesse com regularidade, como sucede no Público…

O que avulta, porém, é o desprezo que ambos os partidos nutrem pelos empreendedores, em especial por aqueles que construíram as suas empresas sem a muleta do Estado, com independência, dando emprego a milhares de pessoas, fazendo a economia progredir.

Em Portugal, em pleno século XXI, ser rico é ainda uma heresia, mesmo que a fortuna não tenha caído do céu.

Em tempos, a extrema-esquerda reclamava na rua «os ricos que paguem a crise». Num país propenso à inveja e à mesquinhez, o PCP explora essa fraqueza e anatemiza os ‘ricos’, por não caberem na sua moldura conceptual de uma economia estatizada, onde mandam o partido e a nomenclatura, mesmo que as prateleiras das lojas fiquem continuadamente vazias, como acontecia na antiga União Soviética, cujo modelo os comunistas copiam e defendem.

Mas o PCP e o Bloco, parceiros íntimos do PS de António Costa, não se distanciaram apenas das justas homenagens parlamentares a dois empresários de sucesso. Rejeitaram também o voto de saudação, proposto pelo CDS, por ocasião dos 42 anos do 25 de Novembro, que «marcou o fim do período turbulento da transição democrática».

Em contrapartida, estiveram de mãos dadas, há um ano, no voto de pesar pela morte do ditador cubano Fidel Castro – e, agora, na evocação melancólica do centenário da revolução russa. Sem ponta de remorso, Jerónimo de Sousa publicou um ‘artigo de opinião’ no DN quando, supostamente, pelo seu teor épico, estaria mais apropriado no Avante! 

O deslumbramento de Jerónimo mostrou-se intacto, ao festejar a Revolução de Outubro como «o acontecimento maior da história da humanidade».

Esse ‘acontecimento maior’ foi feito à custa de milhões de mortos, degredos e repressão despótica. Mas isso são ‘pormenores’ que não incomodam o ainda líder do PCP, para quem tudo valeu a pena.

A conversa fiada de Jerónimo, com os chavões do costume, em louvor da sua saudosa URSS, deveria ter provocado a indignação de qualquer democrata íntegro, com um módico de memória. Mas as reações foram parcas e acomodadas.  

Álvaro Cunhal, que era intelectual e artista, morreu sem nunca ter reconhecido o fracasso do comunismo, fingindo não ter percebido como se deu o colapso. Jerónimo, velho metalúrgico, segue a doutrina antiga a preceito, como fiel diácono que recita de cor a homilia. 

Já Louçã, comunista urbano, fundador omnipresente no Bloco, que gosta de ser tratado por conselheiro e ambiciona voltar a candidatar-se a Belém – embora na tentativa que fez só tenha obtido uns parcos 5% -, foi mais elaborado e descreveu a revolução russa como uma «promessa de libertação» que degenerou numa «enorme tragédia». Ao estilo de ‘uma no cravo e outra na ferradura’, como bom evangelista. 

Os partidos comunistas eclipsaram-se na paisagem europeia, e – como se viu em França – muitos ex-militantes encontraram aconchego na extrema-direita soberanista. 

Resiste o PCP que, apesar de humilhado nas últimas autárquicas, concorreu com o Bloco nas exigências ao Governo, que vão custar ao Estado 1.200 milhões de euros em 2018, segundo cálculos feitos pelo Expresso. Uma ninharia.  

A ‘geringonça’ imita o pior despesismo dos governos de Sócrates. 

E a Assembleia Municipal de Lisboa, à qual preside Helena Roseta, é uma crónica de maus costumes. A aprovação de uma singularidade – vinda do tempo de António Costa – autorizando todos os grupos parlamentares a contratarem assessores e secretárias com remunerações muito acima da média, é exemplar do ponto a que chegou o desrespeito pelos dinheiros públicos. 

Uma vergonha, sancionada por unanimidade dos partidos com assento municipal. A Câmara vai gastar mais de um milhão de euros anuais em boys e girls inúteis. Mas ‘ninguém pia’ – como diria Cavaco -, da esquerda à direita. As clientelas falam mais alto. Se a regionalização algum dia avançar, está à vista para que serve. Um regabofe…