Operação Fizz. Confissões de Orlando Figueira provocam volte-face

Confissões de Orlando Figueira provocam volte-face na Operação Fizz e lançam suspeitas sobre o advogado Proença de Carvalho e o vice-presidente do BCP Carlos Silva.

Operação Fizz. Confissões de Orlando Figueira provocam volte-face

Parece o início do guião de um filme: um procurador português que se deixou corromper por um vice-presidente de Angola, arquivando investigações em que o governante é suspeito. A história abalou as relações políticas e diplomáticas entre os dois países. Mas o suspense da reviravolta surgiu nos últimos dias, quando o magistrado suspeito decidiu abrir o jogo e pôr em causa tudo o que a acusação defende: garante que só não tinha revelado a verdade antes porque estava a viver na dependência dos responsáveis pelo esquema e admite que cometeu crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais. 

Mas a grande pedra no charco foi quando o antigo procurador Orlando Figueira revelou que quem lhe pagou o dinheiro – que o MP considera ser suborno – foi um influente banqueiro angolano, Carlos Silva, com a ajuda de um do advogado Daniel Proença de Carvalho. Quanto a Manuel Vicente, ex-governante de Angola que se pensava ser o seu corruptor, assegura que nem o conhece.

O julgamento da Operação Fizz já tem data marcada – ainda que Manuel Vicente ainda não tenha sido constituído arguido – mas o requerimento agora entregue no Tribunal Judicial de Lisboa por Orlando Figueira pode alterar o rumo de tudo. A Procuradoria-Geral da República admite uma nova investigação, desta vez a Carlos Silva e Daniel Proença de Carvalho, que tinham ficado de fora da acusação. «O Ministério Público encontra-se a recolher e analisar elementos com vista a decidir quais os procedimentos a desencadear no âmbito das respetivas competências», disse ao SOL o gabinete de Joana Marques Vidal.

O requerimento em que surgem todas as revelações, e a que o SOL teve acesso, deixa claro que houve uma mudança de estratégia da defesa do antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que até então, diz, estava a omitir dados importantes porque tinha feito um «acordo de cavalheiros» com Daniel Proença de Carvalho em como nunca tocaria no seu nome nem no de Carlos Silva. Orlando Figueira diz ainda que já queria ter mudado de postura há algum tempo mas que não o pode fazer porque quem o defendia – uma equipa da CuatreCasas, onde se destaca o nome do advogado Paulo Sá e Cunha – era pago pelo angolano Carlos Silva, vice-presidente do BCP e presidente do Banco Privado do Atlântico, que segundo o magistrado está «no epicentro de tudo».

«Desta forma ardilosa, o dr. Proença de Carvalho conseguiria, como conseguiu, condicionar a defesa do arguido, como se viu, vindo a terminar na renúncia ao mandato por parte dos seus mandatários. Mais ainda, pagando aos poucos, a conta-gotas, esses honorários, ainda condicionava mais a sua defesa, como facilmente se compreenderá», denuncia Orlando Figueira, repetindo em quase todo o requerimento que desde saiu do DCIAP, com uma licença sem vencimento, nunca viu Carlos Silva cumprir o que ambos tinham acordado – um emprego em Angola com uma remuneração mensal de 15 mil dólares.

Acusação é estória romanceada

O procurador, que chegou a estar preso na cadeia de Évora, diz no entanto que mesmo mesmo antes desta denúncia a acusação tinha tudo para chegar aos verdadeiros responsáveis, em vez de construir «uma estória romanceada, totalmente falsa»: «[O MP] começou a investigação do fim para o princípio; Bem sabendo que tinham um inocente preso; que estavam a enlamear a figura de um Chefe de Estado também ele inocente, prejudicando de uma forma totalmente irresponsável as relações diplomáticas entre dois Estados Soberanos, Portugal e Angola».

Após descrever como conheceu Carlos Silva (em outubro de 2009) e o advogado do Estado angolano (também arguido no caso Fizz), Paulo Blanco, Orlando Figueira conta como estreitou relações entre as PGR de Portugal e de Angola e fala dos encontros que o homem que lidera o Ministério Público angolano teve em Portugal com a estrutura do MP português. Além disso relata viagens a Angola, feitas a convite das autoridades daquele país.

É durante uma visita que fez com o procurador Vítor Magalhães durante a semana da Legalidade, em 2011, que Orlando Figueira se depara com o primeiro convite de Carlos Silva: «O Orlando era uma pessoa que eu gostaria que viesse trabalhar connosco». Ao que o então magistrado respondera: «Nunca se sabe, talvez quando me reformar».

Orlando Figueira diz que nada nessa visita foi anormal e adianta mesmo que esteve sempre em contacto com Cândida Almeida, à data diretora do DCIAP, que inclusivamente concordou com a ideia que circulava em Angola de abrir uma formação em Portugal para magistrados angolanos.

Sobre essa formação, Orlando relata os problemas económicos da PGR portuguesa e de esta não ter dinheiro para oferecer um jantar de final de formação, nem sequer para a impressão dos diplomas. As dificuldades foram ultrapassadas porque o advogado do Estado angolano pagou o jantar e se arranjou uma gráfica que fez um «preço de favor».
A ideia de vir a trabalhar com Carlos Silva ficou sempre na cabeça de Orlando Figueira, que em 2011 passava por uma separação e dificuldades financeiras. Tudo isto levou a que um dia abordasse Paulo Blanco sobre a possibilidade de vir a trabalhar para Carlos Silva, tendo recebido uma resposta positiva.

Mais tarde veio a acordar que o dinheiro a receber era 15 mil dólares para ser diretor jurídico do grupo Banco Privado do Atlântico. Nesta altura, defende o ex-magistrado no requerimento entregue, nem sequer fazia ideia de que iria ser titular de um caso a envolver Manuel Vicente.

E se acabou por não trabalhar com Carlos Silva, a verdade é que logo em janeiro de 2012, quando ainda estava no DCIAP, recebeu 210 mil dólares (um ano de salários adiantados) a título de garantia, conforme tinham acordado. Salienta que no banco entregou até o seu contrato com a Primagest – que diz ser testa de ferro de Carlos Silva – para justificar a receção daquele montante.

Orlando percebeu que estava a ser enrolado pelo banqueiro

Porém, com o aproximar do início da licença sem vencimento e com o silêncio de Carlos Silva sobre a sua ida para Angola, Orlando Figueira começou a ficar preocupado: «Confessa o arguido que na altura, pensou logo que tinha sido ‘enrolado’; Afinal já estávamos em meados de setembro de 2012 e ninguém falava consigo para dar execução ao contrato prometido».

A partir daí, conta, começaram as dores de cabeça. Paulo Marques, um homem da confiança de Carlos Silva, terá transmitido que o banqueiro lhe sugerira a abertura de uma conta num paraíso fiscal, Gibraltar ou Andorra, para evitar pagar impostos: «Era no seu dizer uma manobra de Tax Avoidance e quando eu lhe tentei explicar que não era isso, mas antes Tax Fraud, ele riu-se e desvalorizou a situação».

Pouco antes da queixa que deu início à Operação Fizz dar entrada na PGR, em 2014, Orlando recebeu outra promessa de ir para Luanda. Até saber que havia uma investigação em curso ainda lhe foi proposto um esquema para forjar documentos, que recusou.

Quem lhe falou primeiro na investigação foi Iglésias Soares, administrador do BCP, a 27 de março de 2015: «Esta notícia foi um murro no estômago do arguido que nesse dia não comeu nem dormiu».

Aí pensa em contactar a PGR por já estar farto das «palhaçadas do Dr. Carlos Silva»: «O arguido ia para o Estabelecimento Prisional de Évora, mas o Dr. Carlos Silva iria também para outro Estabelecimento Prisional, para além de o Banco de Portugal lhe tirar a licença bancária por manifesta inidoneidade».

O acordo de cavalheiros com Proença de Carvalho

Foi, porém, aconselhado a reunir-se com Daniel Proença de Carvalho, onde soube que Carlos Silva estava disposto a arcar com o valor dos impostos de Orlando Figueira em falta para efeitos de suspensão provisória do procedimento criminal – isto porque o antigo magistrado entendia que só estavam em causa crimes de lavagem de dinheiro e fuga ao fisco. Para que lhe pagasse isso e ainda uma indemnização por danos morais, Orlando tinha de cumprir uma coisa: «O arguido nunca falaria dos nomes do Dr. Carlos Silva» nem de Proença de Carvalho «e nunca referiria a conta de Andorra» onde recebeu parte do dinheiro. Os impostos foram pagos, mas nada mais. E Orlando Figueira diz ter sido obrigado a ficar com uma advogada oficiosa por estar a viver na «indigência».

Diz que tendo em conta o «acordo de cavalheiros» no interrogatório judicial não referiu nada do que foi acordado, até porque é um «Transmontano, um Homem de Honra e Palavra».

Agora sem os advogados pagos por Carlos Silva decidiu contar tudo: «Seria tudo mais fácil se o Dr. Carlos Silva se assumisse como Homem e contasse a verdade».

Desmente ainda que tenha tomado qualquer decisão enquanto procurador benéfica a quem quer que seja, afirmando não fazer sentido que tenha beneficiado o ex-vice-procurador de Angola.

Contactada pelo SOL,a advogada oficiosa que vai passar a representar Orlando Figueira preferiu não fazer qualquer comentário. Já o advogado Rui Patrício, dos arguidos Manuel Vicente (ainda não notificado) e Arlindo Pires, disse: «Tenho realmente várias coisas e de várias naturezas para dizer e para comentar, sobretudo sobre o que já está no processo há muito e parece ter passado despercebido e também sobre o que deveria lá estar e inexplicavelmente não está , mas guardo -me para daqui a cerca de um mês e meio, no julgamento».

O SOL tentou sem sucesso contactar Daniel Proença de Carvalho. Mas à Sábado, o advogado desmentiu as afirmações. Também Carlos Silva negou àquela revista ter oferecido trabalho a Figueira ou apoiado na sua defesa.

A versão da defesa de Paulo Blanco, que consta numa contestação revelada pelo SOL, também coloca Carlos Silva e Proença de Carvalho no centro da Operação Fizz.