O meu coração é de carvão. Trump e a mudança de paradigma

O presidente dos EUA prometeu na campanha que iria revitalizar a indústria do carvão nos EUA. Um ano depois, será que os ligeiros sinais de retoma no setor compensam a saída do país do Acordo de Paris e o seu isolamento externo?

No final de mês de novembro, a Agência de Proteção Ambiental (EPA na sigla inglesa) dos Estados Unidos organizou em Charleston, na Virgínia Ocidental, coração da indústria do carvão norte-americana, uma audição pública sobre a reversão do Plano de Energia Limpa (CPP na sigla em inglês), aprovado pela administração de Barack Obama e que prevê, entre outras coisas, uma redução das emissões de carbono das centrais elétricas de carvão e de gás natural até 2020 – mais propriamente, menos 32% em relação aos valores de 2005.

Scott Pruitt, que foi durante anos um jurista ativo contra as políticas da agência que hoje serve como diretor, decidiu realizar apenas uma consulta pública e, propositadamente, em território desfavorável a propostas amigas do ambiente. Mesmo assim, as coisas não correram como previsto para esta administração defensora do carvão: das 250 pessoas que usaram os três minutos para falar durante os dois dias da sessão pública, menos de um terço se mostraram favoráveis à revogação do CPP. E se, das três salas com pessoas, a organização optou por transmitir em maioria as imagens da sala principal, onde se sentavam os principais empresários da indústria, a verdade é que o tiro saiu um pouco pela culatra ao governo.

Entre as várias promessas de campanha de Donald Trump, poucas tiveram tanta importância simbólica como a afirmação do então candidato republicano de querer recuperar o prestígio e a força da indústria mineira norte-americana, sobretudo a do carvão. E se é certo que, nas campanhas eleitorais, os políticos tendem a pintar retratos de cores alegres para convencer eleitores, Trump não duvidou em traçar um futuro brilhante para o carvão dos EUA, travando o fecho de minas e recuperando postos de trabalho para níveis de outrora.

Um ano depois da sua eleição, é certo que a produção de carvão dos EUA vai a caminho de subir 8% e o número de empregos cresceu 2200 – sinal que valeu um tweet do presidente saudando a boa nova no mês passado: “Está finalmente a acontecer para os nossos grandes mineiros de carvão limpo!”

Vistos mais de perto, os números contam uma história diferente. Mais do que um reflorescimento do setor devido à mudança de paradigma do governo federal, o aumento de produção é um espelho do crescimento das exportações para os países asiáticos – sinal, dizem os analistas, de uma situação conjuntural (decréscimo de produção na Austrália que obrigou os países asiáticos a recorrer a outros fornecedores para satisfazer a sua demanda interna). As previsões do setor é que a produção volte a diminuir no próximo ano. “Não voltaremos a ter uma repetição de 2017”, afirmou James Stevenson, analista do mercado de carvão da IHS Markit, citado pela “Fortune”.

O carvão extraído nos EUA alimenta sobretudo o mercado doméstico (90%), e esse está em tendência descendente. “O futuro do carvão é ditado pela economia”, diz à Reuters uma porta-voz da American Electric Power (AEP), uma das principais produtoras de energia do país, “e não se pode fazer esse tipo de investimentos com base na política de um governo”, acrescentou.

Assim pensa a agência de dotação financeira Moody’s que, na segunda-feira, emitiu uma nova avaliação do risco para as centrais elétricas, continuando a traçar um retrato sombrio para o futuro daquelas que usam carvão.

“Nos EUA, algumas produtoras de carvão poderão ter ganho mais algum tempo devido à proposta norte-americana de saída do Acordo de Paris e à revisão do Plano de Energia Limpa. No entanto, estas ações não farão descarrilar as tendências de descarbonização”, refere a Moody’s na sua análise.

A AEP, por exemplo, planeia reduzir a percentagem de produção de energia através de carvão nos EUA dos atuais 47% para 33% em 2030. De acordo com a Administração de Informação da Energia (EIA na sigla inglesa), em 2025, a produção das centrais elétricas a carvão nos EUA deverá ser 30% inferior ao que era em 2011. A Vistra Energy Corp, outra das elétricas norte-americanas, fechou 265 centrais que usavam carvão desde 2010 e tem hoje apenas 258 em funcionamento.

Isto é hoje. A administração Trump ainda não revogou o CPP, como pretende, poderá ainda cortar os subsídios atribuídos às centrais de produção de energia limpa – cujo desenvolvimento tecnológico dos últimos anos também embarateceu a produção – e inverter a tendência de queda da indústria do carvão, caso as elétricas percebam que se trata mesmo da mudança de paradigma, e não de uma tentativa de remar contra a passagem do tempo.

O certo é que Trump está a conseguir colocar dúvidas no caminho inclinado que a produção de carvão vinha percorrendo desde os anos 1980, à medida que as políticas ambientais ganhavam força e as provas científicas de que as alterações climáticas causadas pela ação do homem se tornavam esmagadoras. A Casa Branca nem sequer se importa com o seu isolamento internacional nesta matéria, contrariando a quase unanimidade conseguida no Acordo de Paris, em 2015.

No entanto, no caminho dessa nova revolução industrial em contraciclo proposta por esta administração norte-americana parece estar uma maioria da opinião pública (mesmo nos EUA) que não só aceita as provas científicas como já se deixou convencer pelas manifestações climáticas extremas que se vêm multiplicando nos últimos anos, com resultados dramáticos.

O que se passou em Charleston, a 28 e 29 de novembro, mostra que nem mesmo no coração da indústria carbonífera a vontade desta administração encontra tanto eco como pensava. Stanley Sturgill, um velho mineiro de carvão de 72 anos, diagnosticado com antracose e doença pulmonar obstrutiva crónica por causa do trabalho nas minas, deixou a pergunta: “Quantas pessoas vão ter de pagar o preço máximo da morte para que umas poucas pessoas ricas e gananciosas possam amealhar uns quantos dólares?”

Mesmo numa visão menos emocional e mais económica, a verdade é que as centrais a carvão são menos eficientes e a energia que produzem sai mais cara. Investir na sua melhoria ou construir novas centrais mais competitivas no mercado da eletricidade seriam investimentos demasiado arriscados, mesmo para uma empresa que não se preocupasse muito com as regras ambientais. E se não há centrais, nem grandes metalurgias (como as chinesas ou indianas) para aumentar o consumo de carvão nos EUA, por mais que Trump garanta que quer recuperar as minas de carvão a 100%, o mercado poderá ser de outra opinião.