Vulgaríssimos

Passa-se algo de muito, mesmo muito errado na sociedade portuguesa. Será doença? É com certeza e epidémica, não tem vacina e, não obstante mais do que diagnosticada, de difícil terapia.

Em entrevista a órgão de comunicação social alemão – que curiosamente só o i e o SOL e um bocadinho o Público destacaram –, Augusto Santos Silva afirmou que, em súmula, nada tem contra a austeridade, mas o Governo português tinha que dar uma sinal diferente à população.
Ora aí está: é tudo uma questão de embrulho, substitui-se papel pardo por estampado e adorna-se com umas fitas e o povo consome como prenda o que não deixa de ser um fardo, sendo que a palha até pode ser diferente mas é servida aos mesmos.
Passe a metáfora, a verdade é que, para estes senhores, a desonestidade intelectual passa a retórica política. E o país pula e avança como dizia o poema eternizado em balada.
Por isso, não é de estranhar que casos que deviam ser exceção ou ‘raríssimos’, se o escrutínio e a indignação pagassem sempre pela mesma moeda, sejam afinal costumeiros.
Só não são é conhecidos, mediatizados, polemizados ou, quando o são, são propositada e organizadamente ignorados, menosprezados ou iludidos, sobretudo quando atingem ou ameaçam interesses instalados, institucionalizados ou vá lá saber-se por que razão simplesmente (ou sofisticadamente) protegidos.

Paula Brito e Costa e Manuel Delgado foram vítimas da sua própria ambição e manifesto deslumbramento aliados a uma evidente incompatibilidade entre a vontade de egoísta e ilícito aproveitamento e o espírito missionário altruísta que se impunha nas funções que lhes foram mal confiadas.
Mas ainda que mal pergunte, trazem prejuízo maior ao mundo – leia-se país – do que milhares e milhares de outros boys e girls de competência ou produtividade duvidosa que a administração central e local – leia-se os contribuintes – pagam a preço imoral?

O SOL publicou nas últimas duas semanas dois trabalhos exemplificativos de má aplicação de dinheiros públicos que, por terem como beneficiários todos os partidos ou funcionários e simpatizantes de todas as organizações partidárias (das mais representativas às mais minoritárias e até residuais) não suscitaram reação alguma de um único responsável político ou partidário.
Está, pois, tudo dito.
Ou melhor, fica tudo por dizer. E por fazer.
E enquanto assim for, casos como o da Raríssimas vão continuar a existir e a proliferar país fora, porque, infelizmente, são vulgaríssimos.