Os mistérios de Carrilho

Alguma coisa vai mal no reino da Justiça. 

Há pouco mais de um mês, Manuel Maria Carrilho foi condenado a quatro anos e meio de prisão, com pena suspensa, por o tribunal ter considerado que  «o arguido atuou para humilhar e maltratar física e psicologicamente a assistente [Bárbara Guimarães]», manifestando «visivelmente total indiferença pela integridade física e psicológica dos filhos». Carrilho foi descrito pelo tribunal como um homem que não olhava a meios para ofender a sua ex-mulher, já que esse processo dizia respeito ao período a seguir ao divórcio, quando o antigo ministro tentou agredir Bárbara Guimarães.

Ontem, foi a vez de a juíza Joana Ferrer fazer uma leitura totalmente oposta à sentença de 31 de outubro. É certo que a juíza em causa julgou os acontecimentos ocorridos durante o casamento, mas Carrilho era acusado dos mesmíssimos crimes.  Recorde-se que tanto a defesa da apresentadora como o MinistérioPúblico, numa atitude muito pouco habitual,  já tinham pedido escusa da juíza por a considerarem parcial, atendendo a que Ferrer teria proferido declarações abonatórias sobre Manuel Maria Carrilho: «Parece que o professor Carrilho foi um homem, até ao nascimento da Carlota [a segunda filha do casal], e depois passou a ser um monstro. O ser humano não muda assim», afirmou a juíza em fevereiro de 2016, numa das primeiras sessões do julgamento. Esta posição pública da magistrada enfureceu a defesa e até, como foi dito, o próprio Ministério Público. 

Como o Tribunal da Relação de Lisboa não deu ouvidos ao pedido de recusa da juíza, esta própria acabou também pedir escusa, embora tenha recebido a mesma resposta. 
Não é pois de estranhar que, ontem, ao ler a sentença que ilibou Carrilho, Joana Ferrer tenha declarado que   «Bárbara Guimarães é uma mulher destemida e dona da sua vontade, pelo que não é plausível que na sequência das agressões tenha continuado com o marido em vez de se proteger a si e aos filhos». 
Ao ler-se a fundamentação de Ferrer, fica-se sem saber o que pensar. Desconhece a meritíssima magistrada que as vítimas de violência, regra geral, só apresentam queixa depois de muitos atos de violência? Ignora Joana Ferrer que as figuras públicas ainda têm mais vergonha de exporem os males da sua vida privada?

Tudo seria normal se ontem o tribunal tivesse provado que não houve agressões e que tudo não passou de um delírio da apresentadora. Mas não foi isso que o tribunal fez. A magistrada fez uma série de considerações sobre Bárbara Guimarães, só faltando dizer que ‘só se perderam as que caíram no chão’. «Deparamo-nos com a ausência de uma prova pericial consistente, uma vez que as perícias realizadas o foram com base em suporte fotográfico sem valor forense, com as fragilidades supra descritas», sentenciou.
A juíza concluiu que a prova apresentada em tribunal «está nos antípodas de uma relação de aterrorizamento, de rebaixamento da dignidade, de domínio e de neutralização da vontade, de um dos membros do casal sobre o outro».  
Seria interessante confrontar as duas juízas que optaram por  sentenças tão diferentes. Enquanto a que leu a condenação de Carrilho a 31 de outubro o aconselhou a «seguir outro caminho», Ferrer ‘disse-lhe’ para seguir o mesmo caminho. Os caminhos da Justiça são, de facto, estranhos…