Os media, o Estado e a qualidade da democracia

«Aprende com os melhores enquanto eles são bons e segue em frente» – Robert Waterman

O diagnóstico da atual situação dos media (novos e velhos) em Portugal é de há muito tempo preocupante. Os media padecem de problemas de vária índole que, a não serem debelados, poderão contribuir para a perda de qualidade da nossa democracia – enfraquecendo o Estado de direito democrático, colocando em causa direitos, liberdades e garantias, prejudicando a liberdade de opinião e a informação como instrumento relevante para promover o desenvolvimento económico, social e cultural.

São muitas as causas que, acumuladas, concorrem para um diagnóstico preocupante. Várias delas têm a ver com algumas especificidades da comunicação social portuguesa. Desde os baixos índices de leitura, o grande consumo de horas diárias de televisão, a distribuição desproporcionada do bolo publicitário por jornais e revistas (nacionais e de proximidade nacional, regional e local), rádios (nacionais e locais), televisão em sinal aberto e por cabo, redes sociais, publicidade exterior, etc.

Comparativamente a vários Estados europeus (e não só) de dimensão semelhante à nossa, e com indicadores económicos e sociais também equiparados, Portugal continua a ser dos países onde menos se leem e consomem jornais, e onde mais horas diárias se gastam com conteúdos no audiovisual e nas redes sociais.

Nos últimos anos não faltaram estudos e diagnósticos alertando para o que nos poderia (pode) acontecer. 
Em abril de 2013 (já lá vão quase quatro anos) deixei estabilizada uma proposta de reforma para a comunicação social assente em vários vetores. Desde o papel do Estado ao reforço da autorregulação de alguns segmentos dos media portugueses, passando pela necessidade de apoio estatal à reestruturação das dívidas das empresas de comunicação social, incentivos à contratação de jornalistas e demais profissionais do setor, ajuda à modernização tecnológica, promoção da leitura com benefícios fiscais correspondentes – de entre um vasto pacote legislativo que, salvo melhor opinião, hoje ainda fazem mais sentido do que em 2013.

É um problema de que poucos falam mas que deveria ser priorizado ao nível das políticas públicas.

E isto porque a pluralidade e a qualidade dos conteúdos informativos, bem como o seu acesso e a sua partilha, estão já a ser (vezes demais) colocados em causa. Com prejuízos para Portugal e para os portugueses.

Não se pode esconder por mais tempo que temos problemas inimagináveis, comparativamente com as últimas décadas.

O audiovisual está com dificuldades, a ‘imprensa’ vive tempos complicados, a deontologia já viveu melhores dias, a independência e a sobrevivência económica também. Nunca tivemos tanto desemprego no setor. Nunca tivemos tanta precariedade e violação das mais elementares regras deontológicas.

Considero que o Estado – o Parlamento e sobretudo o Governo, enquanto órgão supremo da Administração Pública, ao abrigo da função executiva e administrativa – deverá tudo fazer, ouvindo o setor, para encontrar as soluções e as respostas que se impõem com vista a termos jornais, revistas, rádios, televisão e demais novos media a cumprirem com independência o seu papel de instrumentos da promoção do desenvolvimento económico, social e cultural dos portugueses. 

Não nos devemos resignar aos vaticínios precipitados de que o futuro dos media está exclusivamente na migração para a internet. E que estará quase exclusivamente no audiovisual. Na Europa e no mundo não faltam bons exemplos a atestar que tal não corresponde à verdade. Antes pelo contrário. Esta também é uma matéria de soberania. De preservação da língua e cultura portuguesas. De reforço da coesão social e da perenidade da identidade nacional. E também em nome das verdades que incomodam e não das mentiras que encantam.

Portugal e os portugueses, sobretudo o país que funciona, que faz coisas boas, que pela positiva contribui para a nossa vida e para o nosso desenvolvimento, exigem-no. Saibamos estar à altura de mais este desafio. Que o Estado português atue na defesa da importância dos media portugueses – e, consequentemente, da nossa democracia cultural, social e política.

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