O poder bom e o serviço público

É certo que um jornalista com formação superior tenha um dia, ouvido um professor dizer-lhe que «o jornalismo é o quarto poder» de uma democracia. 

Nas últimas décadas, a história provou ter havido alturas em que o poder da comunicação social foi um lugar mais acima dada a relevância impactante na sociedade e nos alicerces do Estado, como foi, por exemplo, o escândalo Casa Pia. Houve outros tantos casos que mostraram também o jornalismo como o poder fiscalizador que obrigou os outros poderes a questionar o ‘status quo’. O que estamos a viver por estes dias, são momentos históricos conduzidos pelas investigações da TVI e que surgem num período crucial do jornalismo e da comunicação em Portugal. O trabalho da Ana Leal sobre a gestão da ‘Raríssimas’ e a série informativa da Alexandra Borges e Judite França sobre o escândalo das adoções ilegais levadas a cabo na IURD são, por si, reportagens excecionais que colocaram o jornalismo onde deve estar, ao lado das pessoas, na denúncia fundamentada que se não deve pactuar com os maus só porque os bons, por vezes, entendem não ser o seu papel. Desta vez os bons disseram presente. Tomara que fosse sempre assim. Assim, como agora.

A Ana, a Alexandra, a Judite e a TVI prestaram um verdadeiro serviço público e dignificaram o jornalismo num tempo que não é um tempo qualquer. São tempos difíceis em que a nossa profissão é escrupulosamente escrutinada por qualquer um, numa qualquer rede social, havendo até páginas criadas para o efeito, sem saberem o que estão a escrever só com o intuito de insultar fácil e incendiar o motivo obscuro de um jornalista ou de uma reportagem, não descansando até que a ofensa se torne viral. Serviço público porque prova, afinal, neste tempo de ‘click byte’ de consumo rápido de informação, muitas vezes descontextualizada sem fio e meada, afinal há tempo de ir à procura de uma boa história, dando os instrumentos necessários para ir até ao fim, sem azos para dúvidas com provas irrefutáveis, como fez a informação da TVI. Serviço público porque mostrou para a geração que ainda sonha em trabalhar numa redação que, apesar dos tempos difíceis, haverá sempre tempo e espaço para o talento e que o jornalismo de investigação está vivo e é isso mesmo. 

A informação da TVI é líder, mas estas investigações trouxeram mais uns milhares de espetadores aos principais jornais da estação. Fácil de entender. Os portugueses são inteligentes e perceberam rapidamente a relevância dos temas. Até os maledicentes da critica gratuita. Claro que há sempre aquele que não quer ver, haverá sempre. Mas o mais surpreendente foi ver, neste tal tempo decisivo que vivemos, outros jornalistas a questionar metodologias de apuramento de factos, que havia o lado privado quando a relevância do tema é manifestamente público. Ou até quem não citasse falando em ‘documentos revelados’ não referindo a fonte como tem de ser. 

Ainda vou a tempo de fazer a minha declaração de interesses. Sou jornalista da TVI e fico obviamente feliz pela minha estação ter denunciado estes casos, com tempo, medida e de uma forma exemplar, contando também com o talento dos repórteres e editores de imagem. Mas se o palco das denúncias tivesse sido a RTP ou a SIC, também estaria a aplaudir. Porque há um tempo em que o tributo ao jornalismo de investigação não deve ser olhado com uma cegueira concorrente e sim com respeito.

Hoje é o dia. De termos orgulho em ser jornalistas e ter esperança no futuro que vai continuar a ter jornalismo de investigação. Sempre.