Câmara não revela calendário das obras mas espera-se o inevitável: pó, ruído e trânsito

Depois de um 2017 a fintar estradas cortadas e filas de trânsito, não há tempo para respirar de alívio. Com a aplicação do plano de drenagem, pensado para evitar as habituais cheias da cidade, esperam-se pelo menos quatro anos de obras em Lisboa

Sabemos que ainda está fresca na memória aquela hora e meia para chegar do Terreiro do Paço ao Campo Grande. Ou aquela espécie de trekking por entre pó, tábuas de madeira e gradeamento para conseguir sair à noite no Cais do Sodré. E quando finalmente se respirava de alívio, por entre os passeios mais largos, as árvores e as ciclovias que a cidade ganhou, sabe-se agora que os próximos anos voltam a ser de obras em Lisboa.

Apesar de a câmara não ter respondido às questões enviadas pelo i sobre o calendário do próximo ano, sabe-se já que o Plano de Drenagem recebeu luz verde em junho e entrou no mês seguinte em consulta pública. “As obras não vão começar logo no início do ano, mas vão começar em 2018”, garante ao i José Saldanha Matos, mentor do plano que vai ser posto agora em prática.

O que muda O professor de Hidráulica do Instituto Superior Técnico não promete uma Lisboa sem cheias, mas garante que estas obras têm um retorno de cem anos. “E podem até durar mais, caso sejam feitas obras de reabilitação ao longo do tempo”, esclarece.

A construção de dois túneis a atravessar a cidade constitui a parte mais visível de uma obra que, garante o especialista, passa também pela construção e reabilitação de coletores e bacias de retenção, fazendo questão de não esquecer as intervenções não físicas. “A câmara vai apostar na monitorização e no aviso às populações sempre que sejam esperados períodos de chuva mais forte”, explica.

Mas como é das obras na cidade que falamos, aqui vão elas. Vão ser construídos dois túneis: um que liga Monsanto a Santa Apolónia e que vai atingir os 70 metros de profundidade em algumas áreas e a galeria Chelas/Beato, com uma profundidade de 50 metros.

Os locais de entrada e saída dos túneis – Monsanto, Santa Apolónia, Chelas e Beato – serão os mais afetados. Além da criação de estaleiros que servem de apoio aos trabalhadores, algumas vias vão ter acesso condicionado. Isto além das habituais consequências das obras: pó, ruído e trânsito.

José Saldanha Matos não ignora as consequências dos trabalhos, mas acredita que esta é uma obra necessária, até porque o que foi feito até aqui nunca abrangeu a cidade como um todo. “No plano de drenagem anterior, entre 2006 e 2008, trabalhou-se na drenagem doméstica. Era uma altura em que tudo o que era esgotos ia parar ao Tejo”. Agora, a intervenção vai abranger toda a cidade, naquele que é, nas palavras de Fernando Medina, presidente da autarquia, o maior investimento que alguma vez foi realizado pela Câmara Municipal de Lisboa”. Traduzido em números, falamos aqui de 180 milhões de euros, 85 dos quais adjudicados à construção dos túneis.

Timmings Apesar do historial de obras recentes em Lisboa, Saldanha Matos não acredita que tivesse sido possível conciliar as obras de 2017 com as que estão previstas para os próximos anos. “A cidade não beneficiaria”, refere. Além disso, lembra que para o plano ser posto em prática foi preciso haver disponibilidade financeira, abrir um concurso e esperar pelo parecer positivo dado pelo estudo de impacto ambiental. “São coisas que levam o seu tempo”. Tempo esse que o mentor do projeto acredita durar até 2022, ano previsto da conclusão das obras.

Opinião diferente tem Fernando Nunes da Silva, para quem seria necessário um “planeamento intersetorial das obras”, algo que considera não se ter verificado. “Creio que todos os que vivem e trabalham em Lisboa se aperceberam das asneiras que foram feitas e da descoordenação que imperou entre os vários serviços”, refere. E dá exemplos. Os semáforos das avenidas da República e Fontes Pereira de Melo estão por coordenar porque os cabos de ligação entre eles e a central de tráfego foram cortados durante as obras e alguns raios de curvatura nos acessos às vias laterais tiveram de ser refeitos para que veículos pesados também tinham de utilizar essas vias. “O problema não é o número de obras mas a sua sequência, falta de alternativas quando se cortam certas ligações principais, competência técnica e falta de articulação entre os vários setores da câmara envolvidos na sua execução”, explica.

No que diz respeito ao Plano de Drenagem prestes a ser posto em prática, o professor de Urbanismo e Transportes do Instituto Superior Técnico e ex-vereador da câmara de Lisboa considera que peca por tardio. “Foi preciso haver dois anos de cheias para que o executivo tomasse consciência de que o problema era sério e tinha de ser resolvido”.

Fernando Nunes da Silva lembra que, ainda com Jorge Sampaio à frente da autarquia, foram propostas “soluções menos dispendiosas”, como a criação de bacias de retenção. “Agora, parece que pouco mais resta que estas soluções muito dispendiosas e tecnicamente complexas”, conclui.