Dez dias depois… o que Vieira da Silva ainda não explicou do caso Raríssimas

O ministro do Trabalho e da Segurança Social continua sem explicar que documento assinou quando foi firmada a parceria entre a Raríssimas e a congénere sueca. Sobre o facto de a Raríssimas se assumir como fundação na sua presença de forma irregular, diz que “na altura não prestou particular atenção”

Dez dias depois de ter estalado a polémica do caso Raríssimas, são várias as pontas soltas que Vieira da Silva não conseguiu explicar durante as cerca de quatro horas de audição na comissão parlamentar.  Se nos últimos dias o ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social se tinha escudado com a ida ao parlamento para fintar os pedidos de esclarecimento, ontem houve mais uma vez perguntas que ficaram sem resposta.

Fotografia do protocolo  

Desde logo, continua por se saber que documento é assinado pelo ministro durante a cerimónia de assinatura do protocolo entre a Raríssimas e a congénere sueca Agrenska. Depois de ter sido questionado várias vezes pelo i nos últimos dias e depois de confrontado pelo CDS com a fotografia que capta o ministro a assinar a documentação (ver ao lado), Vieira da Silva diz apenas que pode “enviar um exemplar do original desse acordo” e que “não houve nenhuma assinatura” da sua parte. Este foi, aliás, um dos momentos mais tensos da audição.

No entanto, na minuta do protocolo que já foi disponibilizada pelo ministério ao i não consta qualquer assinatura: nem do governante, nem de representantes da Raríssimas ou da associação Sueca.

O ministro lembrou que o protocolo é entre as duas instituições, a título particular, não sendo área de intervenção do governo. Mas não explicou em momento algum da audição que documento assinou. E quando questionado pelos jornalistas sobre a fotografia, falou antes sobre o volume de trabalho: “Não sei se faz ideia do que é a vida de um ministro. Não tenho memória de todos os assuntos”. 

A reunião para a assinatura do protocolo entre a Raríssimas e a Agrenska decorreu no dia 9 de outubro de 2017, entre as 9h30 e as 10h30, no gabinete do ministro. Prática que Vieira da Silva diz ter com várias instituições. Mas, questionado pelo i sobre quantas e que instituições tiveram um tratamento semelhante por parte do governante – que assumiu a presidência da Assembleia Geral da Raríssimas entre 2013 e 2015 – o gabinete do ministro não respondeu até à hora de fecho desta edição. 

Fundação irregular 

O protocolo firmado na presença de Vieira da Silva contém uma irregularidade: tal como consta na minuta enviada pelo ministério ao i, a Raríssimas assume-se como Fundação, quando na verdade não está reconhecida como tal. Explicações que o ministro também tentou evitar. 
Questionado pelo PSD sobre esse facto, Vieira da Silva confessa que “na altura não prestou particular atenção”. No entanto, o i teve acesso a uma ata de uma reunião da Raríssimas, com data de 25 de novembro de 2015,  – onde o ministro esteve presente um dia antes de assumir funções governativas – na qual se lê que, “no passado dia 16 de novembro, foi realizada a escritura de constituição da Fundação Raríssimas, sendo agora necessário levar a cabo os procedimentos necessários ao início da sua atividade”. 

Além da escritura, Paula Brito e Costa deu todos os passos necessários para o funcionamento da fundação, como se esta tivesse sido aprovada. O objetivo de Paula Brito e Costa ao criar a fundação passava por aumentar o seu poder na instituição e por transferir todo o património da associação, de forma a ter mais liberdade para o gerir. Para isso, a ex-presidente da Raríssimas chegou a abrir uma conta no Santander Totta com um capital social de 250 mil euros, redigiu e aprovou os estatutos e chegou mesmo a fazer convites para o conselho de curadores, tal como se ouve num vídeo de uma reunião com os seus colaboradores. Entre os nomes referidos pela ex-presidente da Raríssimas estavam Maria Cavaco Silva, o ex-ministro da Saúde, Paulo Macedo, o reitor da AESE José Ramalho Fortes e Rui Miguel Nabeiro, da Delta Cafés.  
O problema é que todos estes procedimentos foram realizados antes da aprovação do estatuto de fundação pela Presidência do Conselho de Ministro (PCM), sem o qual a mesma não pode funcionar. 
De acordo com a informação disponível no site da PCM, o pedido para a aprovação só deu entrada no dia 23 de janeiro de 2017. Mais de um ano depois de ter sido feita a escritura e já com Vieira da Silva aos comandos do ministério que tutela a associação. 

O i sabe que Paula Brito da Costa enviou, entretanto, vários emails ao Instituto de Segurança Social a solicitar uma reunião com o presidente daquela entidade, de forma a que o processo fosse acelerado. Mas, ao i, a PCM disse que “os serviços da Secretaria-Geral da presidência do Conselho de Ministros receberam, a 5 de dezembro de 2017, um parecer (obrigatório e vinculativo), emitido pela Direção Geral da Segurança Social, do qual consta fundamento para a recusa do reconhecimento solicitado”. E conclui que se estima que seja “proferida decisão final no fim do mês de dezembro”. 

Denúncias e investigação 

Outra das discrepâncias neste caso passa pela gestão das denúncias. O ministro frisou ontem várias vezes que “nunca entrou no ministério, até agora, alguma denúncia de menor qualidade” da ação da instituição e que o “oficio enviado ao gabinete e que chegou ao Instituto de Segurança Social não continha qualquer referência na natureza de gestão danosa”. Por isso, só depois da notícia da TVI foi pedida uma inspeção global à associação, que contudo já estava a ser alvo de uma auditoria por parte do Instituto de Segurança Social desde julho. 

Sobre as restantes oito denúncias – dirigidas ao governo, a Marcelo e a organismos como o IEFP – o ministro nega ter tido conhecimento das mesmas. A única suspeita que lhe foi comunicada, garantiu, prende-se com alegados desvios de dinheiro na delegação da Raríssimas na Maia e foi-lhe comunicada oralmente por Paula Brito e Costa numa reunião a 22 de junho, no seu gabinete. Vieira da Silva afirmou que, perante esta informação, recomendou à fundadora da associação que fizesse uma participação ao Ministério Público.

O ministro aproveitou ainda a audição para frisar que não retirou “nenhum benefício pessoal, direto ou indireto” da sua passagem pela Raríssimas e recusou qualquer associação a um “tratamento de favorecimento”, afastando ainda a ideia de negligência pela forma como conduziu o caso.