A luta de José António Marin contra o despejo

O lisboeta corre o risco de ser despejado da casa onde nasceu e sempre viveu e está disposto a avançar com uma “greve de fome” para o evitar

“Isto é quase como que um lento assassinato”. É assim que José António Marin, de 54 anos, resume o último ano e meio.

O lisboeta enfrenta uma ordem judicial de despejo depois de a casa onde vive desde que nasceu ter sido vendida a uma construtora. Ontem, decidiu tornar pública a sua luta, que acredita ser mais um caso entre as ações de despejo que têm tido lugar na capital. Só nos últimos meses lhe foi atribuído um advogado oficioso que está a tentar perceber se ainda existe hipótese de recorrer da decisão. Mas José António não se resigna e admite até avançar para uma greve de fome para evitar a saída, já que não tem nenhuma alternativa de habitação.

O prédio onde vive desde criança fica no número 17 na Rua Cidade de Cardiff e está em visível estado de degradação. “Faz muito frio. O teto da sala de jantar está todo degradado”, diz José António. “Chove quando há uma inclinação de vento e as janelas da marquise estão partidas e não tenho dinheiro para as arranjar”. Segundo o morador, o prédio não tem obras desde 1969, apesar dos repetidos apelos dos inquilinos.

O edifício foi vendido em fevereiro de 2016 e, para José António, as dificuldades começaram um pouco antes. Está sem trabalho desde 2005, o que atribui a problemas de saúde, e recebe atualmente o Rendimento Social de Inserção (RSI). Nos últimos meses em que devia ter pago a renda à antiga senhoria, teve um problema na renovação do RSI e ficou sem receber a prestação, o seu único rendimento. E quando vieram os novos proprietários, as rendas continuaram a acumular-se, ao ponto de ficar com uma dívida de 6000 euros, entre rendas em atraso e multas.

Com o caso em tribunal, surgiram outras dificuldades. “Moro ali desde que nasci, nunca morei noutro lado e no processo dizem que não moro lá desde há três anos, o que é mentira”, afirma. O tribunal decidiu a favor do despejo também por não existirem provas de que sempre viveu lá ininterruptamente. “Paguei as rendas todas até abril de 2015 e a senhoria não me passava recibos”.

Antes de tornar pública a sua situação nas redes sociais, José António recorreu a associações, à Assembleia Municipal de Lisboa e à Segurança Social, mas tem-se sentido mais empurrado de um lado para o outro do que apoiado ao longo do processo.

Situação ilegal O i tentou perceber junto da imobiliária responsável pela venda do prédio, entretanto com novos interessados, como justifica esta situação. Pedro Moreira, agente imobiliário na RE/MAX – Vantagem Central, referiu que José António “vive ilegalmente” no edifício “há muitos anos”. Já em comunicado, a Remax Portugal afirmou que “faz parte do serviço prestado verificar toda a documentação para que a transação se realize de acordo com a lei. No caso em apreço o imóvel foi transacionado em 2016, tendo sido cumpridos todos os requisitos legais”.

Marin recebe 183 euros e conta que, entre a renda, as contas de luz, água e gás, pouco lhe resta para sobreviver a cada mês. “Três ou quatro meses e põem-me fora”, perspetiva. “Vou resistir o máximo possível e irei até às últimas consequências com uma greve de fome”, assevera.

Pedro Moreira adiantou ainda ao i que o prédio em causa poderá ser vendido em breve. “Está a decorrer outro [contrato de mediação imobiliária] para o qual já temos o contrato de promessa de compra e venda assinado”, disse.

Para Marin, os interesses imobiliários sobrepõem-se aos dos moradores. “Querem desocupar o prédio e ver se o prédio se estraga o máximo possível para o demolirem” para ser um “hostel ou qualquer coisa”, sendo que “a zona é muito apetecível para as construtoras”. “A partir da altura em que abrem as janelas e as portas do prédio é para destruir. Deixaram estar lá umas famílias numerosas e depois disseram à polícia municipal que ocuparam aquilo”, critica.

Ontem não foi possível contactar a empresa proprietária do número 17 da Rua Cidade de Cardiff, a M.B.C.E.F. – Construção, Engenharia e Fiscalização de Obras, Lda. A firma, criada em 2003, não tem qualquer contacto telefónico disponível.