Bom homem, mau ministro

Um bom ministro não pode ser tão ingénuo e imprevidente que não dê nunca por nada do que se passa à sua volta

Tirando as passagens pelos Ministérios das Obras Públicas no segundo Governo de António Guterres – aquele que se enterrou no pântano das autárquicas de 2001 – e da Economia no segundo Governo de José Sócrates – que terminou com o resgate da troika em 2011 -, José António Vieira da Silva tem uma carreira pública praticamente dedicada à Segurança Social. De adjunto a ministro, passando por secretário de Estado ou por diretor geral do departamento de Estudos e Planeamento do Ministério que agora tutela e que já dirigiu também no primeiro Governo de Sócrates, ainda que a designação vá mudando e as competências ou áreas de intervenção vão sendo mais ou menos alargadas.

Professor do ISCTE, é um verdadeiro doutorado em matéria de Ação Social e de Assuntos Sociais, cabendo-lhe, pelo currículo, uma ampla quota de responsabilidade pelo estado em que se encontram. Para o bem e para o mal.

É, reconhecidamente, um especialista no Estado Providência, sendo um dos maiores defensores da mais ampla abrangência da sua intervenção.

E é, também, um homem de diálogo, de consensos, de concertação.

Ou seja, em termos curriculares, preparação e competência técnica, Vieira da Silva seria sempre uma escolha natural para a pasta da Segurança Social num governo socialista – mais ainda se sustentado por parceiros mais à Esquerda, como BE e PCP.

Jorge Coelho – no programa Quadratura do Círculo da semana passada – não teve dúvidas em declarar que põe «as mãos no fogo» pela seriedade e honestidade do seu amigo e camarada de longa data José António Vieira da Silva. E os seus parceiros de painel, José Pacheco Pereira e António Lobo Xavier, não indo tão longe, igualmente afastaram dúvidas quanto à integridade pessoal do ministro.

Porque Vieira da Silva é um homem bom. Como, tecnicamente, tem tudo para ser um bom ministro socialista na área que tutela.

Mas não é um bom ministro. Porque, embora tecnicamente muito bem preparado, Vieira da Silva é da geração dos Amigos de Alex. Funciona na lógica do amiguismo, do clientelismo, que dá no que dá.

Não vem ao caso, mas quer dizer alguma coisa: quando rebentou o escândalo da Casa Pia, o Ministério da Segurança Social foi o mais abalado e Vieira da Silva, nada tendo a ver com o caso, viu-se rodeado de alvos.

Agora, com a Raríssimas, mais uma vez, é apanhado no meio de todas as polémicas e reage como se nada tivesse a ver com ele.

O caso da IPSS de Braga, ontem revelado pelo jornal i, também tem muito por onde se questionar.

Um bom ministro, qualificado, não pode ser tão ingénuo ou imprevidente que não dê nunca por nada do que se passa à sua volta, por muito que confie nas suas equipas ou em quem delas diretamente depende.

Quando as moscas andam ao redor ou poisam sempre no mesmo sítio, não pode deixar de desconfiar-se de que há necessidade de higienizar.

Vieira da Silva pode ser muito bom em matéria de providência, mas não o é com toda a certeza em sede de previdência.

O ministro não saiu só ‘fragilizado’ de mais este caso – como pretendeu afirmar na audição parlamentar solicitada pelo PS (e não, como habilmente o amigo Jorge Coelho quis justificar, por iniciativa do próprio junto do seu partido). Saiu ferido de morte. E a ferida sangra cada vez mais abundantemente à medida que nela se vai mexendo.

Vieira da Silva é um ‘peso pesado’ do PS e deste Governo. E é um homem da confiança política de António Costa, como foi de todos os anteriores líderes do PS. 

Pelas boas razões, mas também pelas menos boas.

E não só mas também porque não tem qualidades de líder nem ambição de o ser.

Essas qualidades em falta, quando mal rodeado, é que fazem dele um mau ministro.

Sendo que é também por essas qualidades em falta que o ministro do Trabalho (ainda por cima eleito deputado como cabeça de lista do PS pelo círculo de Setúbal) é totalmente incapaz de, por exemplo, pôr cobro à suicidária estratégia sindical na Autoeuropa, com todos os riscos inerentes, para os trabalhadores, para a região, para o país. 

Muito mau.