IPSS, governantes, tachos e dignidade

Não pode diabolizar-se o papel das IPSS. É preciso é controlar os devaneios de alguns atores

Sempre que entro num hospital não deixo de admirar o trabalho dificílimo feito por auxiliares e enfermeira(o)s. Doentes acamados que fazem as necessidades nas fraldas, que gritam de dores, que não se sentem bem de forma alguma e esperam um conforto desses profissionais. Penso também nos idosos que são abandonados pelas famílias que decidem passar as quadras festivas sem esse ‘peso’ às costas e que só os vão buscar quando os foguetes já perderam o cheiro a festa. Profissionais esses que lutam pela dignificação das carreiras e por melhores salários. Parece-me, na maioria dos casos, mais do que justas essas reivindicações.

Os problemas destes profissionais, a que se juntam os médicos, como é óbvio, ultrapassam em muito as doenças em si. Como revelamos nesta edição, os doentes sociais, por exemplo, ficam, em média, três meses a mais do que o deveriam nos hospitais públicos por falta de alternativas das famílias. E quantos não são os médicos e enfermeiros que prolongam a ‘estadia’ nocturna dos mendigos que se apresentam nas urgências para ver se conseguem tomar o pequeno almoço no hospital? A vida num hospital é todo um mundo que espelha o que se passa na sociedade. Onde as dificuldades são muitas e em que as famílias muitas vezes não conseguem responder às suas próprias necessidades. E é  aqui que entram, por vezes, as Instituições Particulares de Solidariedade Social, as famosas IPSS.

Muitos lares, por exemplo, têm o estatuto de IPSS. Lares esses onde acabam os idosos que as famílias não conseguem cuidar. Nas últimas semanas, depois da notícia da TVI – ampliada depois por outros meios de comunicação social – sobre a Raríssimas, surgiram outras histórias pouco abonatórias ou duvidosas sobre mais IPSS. E é aqui que é preciso separar o trigo do joio. As IPSS, na sua grande maioria, têm um papel louvável e são merecedoras de todo o nosso respeito. Fazem o que mais ninguém pode fazer para dar dignidade à vida de idosos ou de crianças em dificuldade. E o que diz o estatuto dessas associações? Diz que são «entidades sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outro organismo público». 

O que o Estado tem de conseguir é que esses pressupostos sejam uma realidade, onde os organizadores não encaram a sua associação como uma empresa normal, onde o lucro é o principal objetivo. A Raríssimas é uma IPSS reconhecida que tem desenvolvido um trabalho muito meritório, mas em que, tudo o indica, a sua presidente usava parte das verbas para levar uma vida de ‘riquinha’. Sou defensor que as pessoas que prestam esses serviços devem ser remuneradas, mas se há regras, estas não devem ser violadas. Não se pode ganhar mais do que o estipulado e não se deve desviar dinheiro para outras atividades que não sejam a de contribuir «para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos». 
Mas as trapalhadas como as de Paula Brito e Costa e as de governantes como o ex-secretário de Estado Manuel Delgado não podem pôr em causa o papel das IPSS. É preciso, repito, que as autoridades competentes tratem de fiscalizar convenientemente essas associações e que as mesmas não acabem por ser um tacho para amigos de governantes.

vitor.rainho@sol.pt