Natais pelo Mundo

De Bragança a Lisboa o Natal muda, do Brasil ao Líbano muda ainda mais. Pedimos a sete pessoas de diferentes nacionalidades para nos descreverem os seus natais. Com mais ou menos calor, aqui trazemos, sem embrulho, os seus testemunhos

Para compreender os meandros das tradições de cada país há que nascer ou morrer nele. Premissa que é quase barreira para falarmos das tradições de Natal, por isso nada melhor do que perguntar – a quem nasceu, entenda-se – noutros lugares desse mundo.

Foi exatamente o que fizemos para trazer às páginas seguintes descrições (quase) na primeira pessoa do que se passa na quadra e, assim, ir além de uma resenha de imprensa que, logo numa curta pesquisa, nos devolve milhares de resultados que têm tanto de dispare como de divertido. Por exemplo, diz-nos um site de viagens e até no The Guardian, os noruegueses têm a tradição de esconder as vassouras nesta altura do ano. Algo que os próprios norueguês, lê-se nos comentários aos textos, nunca ouviram falar.

Vamos então aos relatos na primeira pessoa, que, ainda assim, não dão para tomar o todo pela parte. É que, dentro de cada país, não é certo que não haja diferenças. Tome-se o exemplo português, em que, no norte, o polvo cozido destrona qualquer bela e alta posta de bacalhau que por ali se come – e bem! – todo o ano. Ou as tradições nas ilhas: em São Jorge, por exemplo, um dos clássicos é ter morcela com batata doce à ceia. E se, continuando na veia gastronómica, abrirmos o leque às sobremesas, as diferenças serão mais do que muitas e vão dos formigos do Minho aos figos com amêndoas do Algarve, fazendo só um périplo simplista e a alta velocidade de norte a sul. 

Trazemos, assim, um retrato de um Natal pernambucano que, garante-nos a jornalista Mona Lisa Dourado, começa e termina à mesa onde há lugar para adaptações tropicais de pratos portugueses numa altura cheia de calor. Um relato semelhante ao que nos chega de Cabo Verde, e diametralmente oposto ao austríaco em que, na noite de 24, os restaurantes asiáticos em Viena oferecem grandes descontos, que acabam por ser aproveitados pelos mais preguiçosos na cozinha. Da Bélgica, vem-nos o chocolate a empurrar o vinho quente, e vice-versa, de uma família de Bruxelas que só se junta no dia 25 à tarde e que acaba a noite a beber cerveja – belga – e a cantar U2. Do Líbano, onde cristãos e muçulmanos partilham ruas decoradas, contam-nos que o dia se tornou mais num evento celebrado por todos, mais por tradição, fugindo assim à conotação religiosa. Já de Angola, Rossana Airosa Manjata fala-nos das diferenças entre o espírito de Luanda e o das aldeias.

Por cá, seja peru, polvo ou bacalhau – ou nada disso –; junte-se toda a gente na rua à fogueira ou se fique em casa a ver as janelas embaciadas; todos teríamos uma história para contar do lugar a que chamamos de casa e que, por esta altura, parece crescer em tamanho e importância. Ou assim deveria ser – afinal, é Natal.

França. Ostras e Reis Magos

Nascida e criada em Paris numa família católica «não muito praticante», Hermeline Michau conta que, efetivamente, esta é a única altura do ano em que vão à missa. «Ou vamos no dia 24 antes de jantar ou no dia seguinte de manhã», explica, sublinhando que, na sua casa, ambos os dias são celebrados com entusiasmo.

No início do mês a família faz sempre o presépio mas com duas particularidades. «Só metemos o menino Jesus no seu lugar no dia 24 à meia noite, uma tarefa reservada aos mais novos da família. Lembro-me de ser criança e calhar-me a mim, ficava muito excitada». E os Reis Magos também não são logo colocados no lugar. «No início de dezembro estão longe do presépio, e todos os dias os vamos aproximando um bocadinho até ao dia de Reis, em que finalmente chegam». Hermeline sente que, de forma geral, a ligação católica dos franceses ao Natal «tem cada vez menos presença». «Talvez porque as pessoas são menos religiosas ou praticam menos», diz. 

Na sua casa em Paris, o jantar de 24 e o almoço de 25 são os dois grandes eventos gastronómicos, mas há uma grande flexibilidade nos lares franceses relativamente ao menu escolhido. «Sei que o peru é consumido em muitos sítios, mas em Paris as aves não são um tipo de carne muito nobre, por isso não é o principal». Para onde recai, então, a escolha? Para produtos premium, ou não estivéssemos a falar do palato francês. «Cá em casa, há algumas coisas que nunca podem faltar, como um belo prato de queijos, foie gras e ostras como aperitivo ou até como prato principal. Também há salmão, normalmente fumado e servido com blinis [pequenas panquecas] e crème fraiche, ou então, se não servirmos salmão nos aperitivos, comemo-lo à refeição. Também há quem coma lagosta e algum tipo de carne», explica.  Se os pratos salgados são escolhidos consoante o gosto dos comensais, nas sobremesas «há um um consenso quase nacional, que se chama bûche». Ou seja, um tronco de Natal. «Pode ter diferentes sabores, como o chocolate, a baunilha, ou café. Desde que tenha decorações de natal! Normalmente compramos o bûche numa boulangerie [as padarias/pastelarias francesas], mas há quem compre congelado e servimos como se fosse um gelado. Quando era pequena comprávamos sempre essa versão gelada, porque sabe bem no estômago depois de toda a comida» diz, enquanto se recorda de outro clássico à mesa. «Não sei porquê, mas temos sempre mandarinas ou clementinas, que, tradicionalmente, também oferecemos uns aos outros». 

Cabo Verde. Os dias de S. Silvestre

A diversidade de influências está presente nas dez ilhas de Cabo Verde, explica ao b,i. Cátia Lush, técnica de comunicação e imagem na agência de Aviação Civil de Cabo Verde.  A miscigenação «aplica-se também às tradições natalícias».
«Na mesa, a herança portuguesa é muito presente e os pratos são familiares: bacalhau feito de diferentes formas, peru assado, arroz de pato ou cabrito assado que é vulgarmente acompanhado com ervilha verde, também designado de congo verde. Na doçaria, temos  ‘fedjoce’ que são sinónimos das filhoses portuguesas mas que são preparados com um ingrediente que é abundante em terras crioulas, as bananas. O bolo rei foi substituído pelo Bolo de Fruta feito com frutas cristalizadas, frutos secos e mel de cana de açúcar», conta Cátia. Nas famílias  mais humildes, era «comum que os pratos fossem mais simples, feitos com peixes mais frequentes nas águas do país – como a bicuda –, peru e animais criados em casa ou encomendados junto de pessoas conhecidas».

Se com a gastronomia não se brinca, com a animação também não. «As ruas das cidades e dos vários bairros na periferia são iluminadas e enfeitadas graças a um trabalho conjunto e comunitário, em sadia competição e sempre ao som da música de Boas Festas, do imortal Luís Morais que é anualmente homenageado nesta época festiva».

A  quadra prolonga-se até ao dia 31 de dezembro, dia da Corrida de Atletismo de São Silvestre – que ocorre em simultâneo em várias ilhas. No Mindelo, em São Vicente, esta é uma data especial. «No dia 31 de dezembro, o São Silvestre é festejado por miúdos e graúdos que percorrem as ruas da cidade de porta em porta, numa serenata de boas festas organizada por grupos de tocadores e músicos amigos de longa data que se reúnem para esse convívio anual», explica a nossa interlocutora, afirmando que a festa não se fica por ali. «As zero horas assinaladas pelo tradicional ‘Pito’ dos navios na Baía do Porto Grande são seguidas pelos fogos-de-artifício avistados nos pontos mais altos da cidade, nos terraços das casas e na Avenida Marginal e Laginha, praias que estão repletas de mindelenses residentes, emigrantes, visitantes de outras ilhas e turistas (cidadãos de Mindelo) que se aventuram eufóricos no primeiro banho do ano.  Pela madrugada dentro a festa continua em vários bailes típicos da época e música ao vivo na célebre Rua de Lisboa. Com o amanhecer, entra em cena a Banda Municipal que tem a missão do despertar instrumental e levar os votos de um Feliz Ano Novo às várias casas da cidade. Atualmente, as pessoas não se limitam a aparecer nas janelas, varandas ou abrir a porta das suas casas para os tradicionais cumprimentos do ano novo, elas saem para as ruas e autênticas multidões acompanham a Banda, arrastando a alegria e os festejos pelas ruas de Mindelo».

Angola. Um país, vários natais

Podemos pensar que conhecemos bem Angola, um país que vemos todos os dias na televisão, feito de pessoas com quem diariamente nos cruzamos nas ruas. Mas a descrição feita por Rossana Airosa Manjata, técnica especialista de seguros na Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros, mostra-nos que ainda há muito para descobrir sobre as tradições daquele país – um território diversificado, que está longe de ser só Luanda e que não tem apenas um Natal. A descrição fala por si:

«O Natal é considerado por pessoas de diferentes crenças como o dia consagrado à reunião da família, à paz, à fraternidade e à solidariedade entre os homens.

Nas famílias, os pontos altos da comemoração são a ceia do dia 24 de dezembro e o almoço do dia 25, quando se reúnem para trocar presentes e saborear comidas típicas. Na véspera, celebra-se apenas a Missa do Galo, deixa-se a refeição festiva para o dia seguinte. Costuma-se fazer um cozido de bacalhau para ceia, que é diferente do cozido à portuguesa [bacalhau cozido]. Colocamos mesas com as delícias de Portugal e a mesa fica posta até 5 de janeiro.

Como em todos outros países, o bolo de Natal, a árvore de Natal e a troca de presentes também são símbolos importantes.

O Natal é uma festa rica em símbolos, cheios de significados, que tocam a sensibilidade de cada pessoa e vão muito além da razão. De entre todos os símbolos, o presépio (retábulo representando o nascimento de Jesus Cristo) é o mais significativo.

Em Luanda é montado sempre o presépio no largo da Independência e é costume na véspera de Natal os pais, até mesmo os não cristãos, levarem os filhos para o verem.

Nas cidades, onde o nível social das populações é mais elevado, o Natal é tipicamente português, com todos ingredientes, como é conhecido na Europa, neste caso em Portugal. O Natal nas aldeias [é mais marcado pela] baixa condição socio-económica, cultural das pessoas ali residentes. Mas muito animado: o povo programa uma festa tradicional com comidas e bebidas conforme a sua região. Geralmente há missa na noite de 24 para 25 de dezembro. Durante o dia há danças folclóricas e bebe-se a Kissanga ou Kimbombo, que são bebidas tradicionais feitas em casa com ferina de cereais. Os adultos bebem geralmente o caporroto, que é uma bebida destilada feita com banana, batata doce ou farelo de cereais. As aldeias vizinhas programam encontros, animados com danças folclóricas. Os povos praticam desporto, ou outras diversões culturais durante o dia 25 de dezembro, tais como encontros de futebol.

O Natal em Angola é a maior festa, que mobiliza todas populações. Nas aldeias as pessoas são normalmente religiosas e não se pode falar em religião sem falar de Cristo. Isso torna o Natal – nascimento de Cristo – uma história muito interessante».

Bélgica. Chocolate e vinho quente

Mercados, mercados e mais mercados. «Durante as festas vamos ao mercado de Natal – onde há sempre uma pista de patinagem no gelo –, e lá podemos comprar todo o tipo de tralha. Mas vamos, acima de tudo, para nos embebedarmos com vinho quente!», conta Martin Caulier, jornalista belga.

Os tais mercados repetem-se por todo o país. «Em Bruxelas, de onde sou, o mercado de Natal fica localizado na praça Sainte Catharine. E outro ponto alto nesta altura é a Grand Place [a praça central de Bruxelas] onde todos os anos se monta uma árvore gigante de Natal e, de hora em hora, há um espetáculo de luzes e som.

Já sobre o dia em si, Martin diz que não há «uma cena especial com o Natal na Bélgica». Os católicos, como em qualquer parte do mundo, vão à missa e a maioria das famílias junta-se para um jantar no dia 24, costume que o núcleo duro do jornalista não replica. «Para a minha família o Natal resume-se, basicamente, a dia 25», prossegue. «Juntamo-nos todos à tarde, em casa de um dos membros da família – normalmente em casa da minha mãe – e trocamos presentes. Nesse dia jantamos todos juntos: perú com pêra e molho de cerejas e endívias» De acompanhamento, Martin descreve-nos uma espécie de batata recheada: «fazemos puré de batata que pomos de novo dentro das cascas da batata com um pouco de carne picada. Um trabalho que se quer em equipa: «Costumamos dividir essa responsabilidade entre nós: uma pessoa fica encarregue de trazer as entradas, outra os queijos, e assim por diante. Somos muitos, entre 20 a 25 pessoas. No departamento das sobremesas, costumamos ter um tronco de Natal, um bolo com a forma de um pedaço de madeira. E o meu tio Benoit é conhecido pelas suas tartes, especialmente a de maçã», conta. Há, no entanto, um petisco que não pode faltar, quer há mesa, quer na hora de trocar presentes. É esse mesmo, adivinhou: «Muito chocolate belga!»

Relativamente à troca de presentes, Martin conta que, independentemente da idade, tinham acordado que apenas trocariam prendas depois da refeição. Um pacto que quebram ano após ano: «Nunca ninguém quer esperar, acabamos por trocar presentes sempre antes de comer», diz entre risos do outro lado da linha – falámos ao telefone.
Depois de jantar, gostam de ficar a beber cerveja – especialmente Orval. E o tio Benoit – o especialista em tartes – é sempre o rei da festa nesta segunda parte e o precursor do prolongamento: «Acabamos sempre a noite com ele a tocar U2». Afinal, há muitos tipos de clássicos.

Brasil. Começar e terminar à mesa

É do Recife que nos chega a descrição de Mona Lisa Dourado, jornalista do Jornal do Commercio. Aqui fica, então, o relato de um Natal pernambucano nas suas próprias palavras. «O aroma invade a casa desde as primeiras horas da manhã. Aves, peixes, carnes de todos os tipos, especiarias, molhos, frutos secos, vegetais… Do burburinho na cozinha vem a confirmação de que ‘então, é Natal’. 

No Recife, como no Nordeste e em todo o Brasil, a data é celebrada à volta de uma mesa farta (ou de várias). A ceia é ponto alto de uma temporada de encontros: com pais, avós, tios, primos, amigos do prédio, da rua, da infância…. Em cada visita, seria uma desfeita não experimentar as iguarias que recheiam a noite feliz.

Mix de amêndoas, nozes, pistache e damasco para abrir os trabalhos, salpicão de frango na casa de um, chester com farofa na de outro, e por toda parte o indefectível queijo do reino, inventado e consumido quase exclusivamente nas bandas de cá do Atlântico Sul desde os tempos do Império. 

Entre uma guloseima e outra, há espaço para muita prosa (às vezes até versos), troca de presentes em brincadeiras como a do amigo secreto e também muita risada. À meia-noite, o protagonista entra em cena. Papai Noel? O bom velhinho até permeia o imaginário infantil e costuma estar representado nas frondosas árvores natalícias, ao lado de presépios bem decorados, que lembram a origem de toda a tradição. O Brasil, afinal, ainda é um país maioritariamente cristão. E há até quem assista à Missa do Galo quando os sinos tocam.

Mas é mesmo o peru que rouba a cena. Depois de assar em fogo lento ao longo de todo o dia e ganhar calda de notas agridoces típicas do menu, ele segue, soberbo, para o seu lugar de destaque no centro da mesa. Ladeado por arroz com passas, tender, lombo de porco e salada de bacalhau, entre muitos outros acompanhamentos, é de fazer a família comer rezando. Para suspirar depois com sobremesas igualmente saborosas: bolos, doces e as insubstituíveis rabanadas (outra herança portuguesa, com certeza).  Corpo e alma alimentados… a festa continua. Madrugada afora, para os resistentes que não abrem mão da balada; e no dia seguinte, quando todo mundo volta a se reunir à hora do almoço para o R.O (resto de ontem, em bom português). Natal pernambucano que se preza começa e termina à mesa.» 

Líbano. Um evento que foge à religião

Wael Ballouk vive em Londres há cinco anos mas continua a voltar, sem exceção, ao local onde nasceu para celebrar a quadra: Beirute, a capital e maior cidade do Líbano. Num país com cerca de cinco milhões habitantes – e em que, grosso modo, metade são cristãos e a outra metade muçulmanos [embora haja outras minorias religiosas] – as fronteiras da tradição acabam por se diluir. 

«Como seria de esperar, só os cristãos vão à igreja no dia 25», conta Wael ao b,i. «Mas quase toda a gente celebra o Natal no Líbano, independentemente da sua religião. Na verdade, o dia tornou-se mais numa tradição do que num evento religioso», define o estudante de MBA. Tanto que, nas ruas – e mesmo nas regiões predominantemente ocupadas por comunidades islâmicas – as típicas decorações natalícias imperam por esta altura.

Wael diz que o grande momento ocorre na noite de 24 para 25, quando toda a família se junta. Há quase sempre um presépio – mais importante e recorrente do que a árvore de Natal – e que muitas vezes é decorado com cereais, como trigo. Outra tradição, usada também noutros países, é cultivar algumas sementes num algodão húmido por esta altura – acredita-se que, quanto maior for o crescimento da planta, maior prosperidade terá a família.

No caso de Wael, a reunião familiar é uma coisa séria e já seria, só por si, uma festa. «Somos mais de cinquenta, tenho uma família enorme». Nessa noite, comem peru e bebem vinho tinto. Um dos doces típicos é o meghli – uma espécie de arroz doce com especiarias e muitos frutos secos, entre os quais os obrigatórios pistáchios –, que também são usado para celebrar a chegada de um bebé.

E, nada de novo aqui, trocam presentes. «Também temos a cena com o Pai Natal a distribuir presentes e, embora seja mais dirigida às crianças, os adultos também gostam de trocar presentes, pelo que continuam a fazê-lo».

De acordo com Wael, acontece mais ou menos o mesmo noutras famílias e noutras regiões do Líbano. «Por cá, as pessoas ainda se agarram muito à tradição e fazem questão de continuar a ser anfitriãs do evento. As festas são sempre divertidas, e os libaneses também as veem como uma ótima oportunidade para passarem tempo juntos. É um momento de alívio face aos problemas que continuam a decorrer no país».

Áustria. O Natal dos que não se queixam

Tal como vemos noutros países, como a Alemanha ou na Bélgica, como contámos na página anterior, os destaques da temporada na Áustria são os mercados de Natal, conta ao b,i., Ilja Nowi, empresário, que nos fala desde Viena, onde vive. «O mais popular é o ‘Wiener Christkindlmarkt’, na Rathausplatz, onde toda a cidade se reúne em torno de uma super bebida  quente chamada ‘Punsch’, uma das nossas invenções vienenses, como o ‘Wiener Schnitzel’».  Na verdade, urge aquecer, e é em torno da chegada da neve também que começa a quadra natalícia, no início de dezembro. «Há uma espécie de oração não oficial, na qual os vienenses pedem a neve mágica para dia 24. Um renascimento anual do ciclo que, diz de forma humorada Ilja, «foi recentemente frustrado com as alterações climáticas». E a neve na medida certa é tão importante para os austríacos como a prancha de surf para os australianos nesta altura do ano. «Se houver muita neve ou falta dela isso pode afetar o transporte de presentes e tornar as zonas pedestres escorregadias em algum momento», diz. Ou seja: o ideal é não haver nem neve a  mais. «Mas nós não nos queixamos em Viena», remata. 
No dia 24, Ilja conta que a maioria das pessoas tenta responder à imensidão de mensagens e de desejos que recebe através de uma «quantidade crescente de canais de comunicação». E aqui o responsável pela entrega de presentes não veste de encarnado: é o Christkindl, ou seja, o menino Jesus. 

A festa em si ocorre nos dias 25 e 26, mas sempre de uma forma simples e tranquila. 

E se em muitas culturas é impensável jantar fora e não perder umas valentes horas na cozinha a preparar o jantar, aqui acontece o oposto o que não é, necessariamente, mal visto. «Para todos aqueles que, noutras alturas, consideraríamos verdadeiramente confiáveis mas que não conseguiram acabar a preparação do jantar a tempo – e aqui incluo todos os membros da família, incluindo o tio-avô a viver em qualquer parte do estrangeiro – os restaurantes asiáticos oferecem grandes descontos na véspera de natal. Podemos reclamar disso… mas essa é outra história.»

E se por aqui pode haver takeaway chinês à mesa, o que choca de frente com outros relatos que aqui trouxemos, é um palmarés que ninguém pode tirar aos austríacos – a música. Uma das versões mais tocadas por esta altura – Silent Night, que em Portugal conhecemos como Noite Feliz – foi criada em 1818 e chama-se na verdade Stille Nach. A letra foi escrita pelo padre Joseph Mohr e a música é de Franz Gruber. Dois austríacos, pois claro.