No terrível ano de 1975 o Partido Comunista sentiu-se transportado para 1917 e tentou repetir em Portugal a experiência da revolução russa, com Cunhal investido no papel de Lenine.
Começaram então a ser destruídos, um a um, os bastiões da incipiente industrialização do país: a CUF, a Lisnave, a Setenave, a Sorefame, a Siderurgia, a Saco, a Séctil, a Sonar, a Gás Cidra…
No Sul pouco de salvou da devastação comunista.
Disseram-me que Vasco Gonçalves abria uma garrafa de champanhe sempre que lhe chegava a notícia de mais uma empresa falida – pois era um novo reduto do capitalismo que ruía.
A ideia era destruir o que houvesse para destruir na mão de privados, para depois nacionalizar e reconstruir nas mãos do Estado.
Mas como o Estado é mau gestor, nunca se reconstruiu o que se destruiu.
O país recuou cem anos em termos de produção industrial.
Quando o 25 de Novembro pôs fim ao período revolucionário, o PCP perdeu a esperança de ter uma URSS no extremo ocidental da Europa – mas a CGTP percebeu que tinha todos os meios para controlar o mundo sindical.
A partir daí, a estratégia definida foi defender a ‘unicidade sindical’, isto é, uma só central sindical, à imagem do partido único.
Desse modo, a CGTP dominaria o conjunto dos trabalhadores.
E quando isso também caiu, passou a defender um princípio que diz pouco ao cidadão comum mas diz muito aos sindicalistas comunistas: a ‘contratação coletiva’.
Mercê da contratação coletiva, a CGTP poderia controlar as tensões entre o trabalho e o capital.
A existência de contratos verticais por setor – metalúrgicos, bancários, etc. – amarraria em cada setor de atividade os trabalhadores uns aos outros – e no topo da pirâmide estaria a CGTP, como central mais importante.
Por isso, quando a troika chegou a Portugal, bateu-se por outro princípio: em vez da contratação coletiva, a negociação empresa a empresa.
Em negociações diretas entre patrões e trabalhadores dentro das empresas seria mais fácil chegar a acordo e atender às necessidades específicas de cada unidade.
A CGTP argumentava que isso facilitaria as pressões da administração sobre os empregados, o que era verdade; mas o principal problema para a CGTP era a fuga dos trabalhadores ao seu controlo.
Como exemplo das vantagens dos acordos empresa a empresa, a Autoeuropa começou a ser apontada como um caso de sucesso.
Uma Comissão de Trabalhadores não controlada pela CGTP foi conseguindo sucessivos entendimentos com a administração, que aparentemente satisfaziam ambas as partes.
E, com isto, num mercado tão competitivo a nível global como a construção automóvel, a fábrica de Palmela impôs-se e conseguiu a produção de modelos disputados por outras fábricas noutros pontos do Globo.
O número de trabalhadores foi crescendo e as exportações também.
Tornou-se um polo industrial importante para a região e para o país.
Até porque alimentava um anel de empresas que lhe prestavam serviços, fornecendo componentes diversas (por exemplo, portas com todo o complexo equipamento elétrico pré-instalado).
Ora, este caso era uma espinha entalada na garganta da CGTP.
Se exemplos destes se multiplicassem e os acordos de empresa começassem a fugir um a um à contratação coletiva, a CGTP perderia boa parte do seu poder e influência.
Por isso, era um alvo estratégico.
Quando a pioneira Comissão de Trabalhadores liderada por António Chora saiu, a CGTP (e o PCP) empenhou-se a fundo na luta que iria seguir-se pelo controlo operário.
E o resultado está à vista.
Os conflitos começaram a suceder-se.
A agitação nunca mais parou.
Dir-se-á que isso corresponde à vontade dos trabalhadores, expressa democraticamente, pois as greves e a rejeição das propostas da administração têm sido decididas em referendos.
Pura ilusão!
Desde 1975 que o PCP e a CGTP vêm apurando a técnica de dominar situações em que estão em minoria.
Nas assembleias e nos plenários, ao contrário dos outros trabalhadores, que atuam individualmente, os comunistas atuam de forma coordenada e em bloco.
Estabelecem objetivos precisos, têm uma estratégia predefinida, escolhem cirurgicamente os momentos para falar – e assim levam sempre a água ao seu moinho, conduzindo os plenários para onde querem.
Agora, por exemplo, dizem que não há qualquer perigo de deslocalização da fábrica, e que esse é um ‘papão’ agitado pelos patrões.
E os trabalhadores, mesmo os não comunistas, acreditam nesse canto de sereia – não percebendo que, na era da globalização, ninguém pode dar essa garantia.
Chegou-se ao ponto, esta semana, de Arménio Carlos vir dizer o que a fábrica deve produzir, desafiando o Governo a impor a sua visão!
Ou seja: a CGTP já quer substituir-se à administração da empresa na designação dos objetivos estratégicos.
Se a fábrica fechar, a CGTP lavará daí as mãos.
Acusará o capitalismo internacional.
E em privado abrirá garrafas de champanhe: porque é um ‘mau exemplo’ que chega ao fim.
O que valem 5.500 postos de trabalho perante uma instituição tão importante como a CGTP?
Na URSS, o poder também não recuava perante os números.
P.S. – Os resultados das eleições na Catalunha puseram a nu a tremenda ignorância dos comentadores portugueses sobre o tema. Tudo o que escreveram nos últimos meses foi desmentido na noite de quinta-feira. Na próxima semana falarei deste assunto.