«Para nascer, Portugal: para morrer, o mundo.»

Esta afirmação do Padre António Vieira, num dos sete sermões dedicados a Santo António e proferido em Roma, na Igreja dos Portugueses, perante o Embaixador de Portugal, resume muito bem o espírito aventureiro dos portugueses: «Para nascer, Portugal: para morrer, o mundo». E é a conclusão de um raciocínio que começa assim: «Nascer pequeno e…

Esta afirmação do Padre António Vieira, num dos sete sermões dedicados a Santo António e proferido em Roma, na Igreja dos Portugueses, perante o Embaixador de Portugal, resume muito bem o espírito aventureiro dos portugueses: «Para nascer, Portugal: para morrer, o mundo». E é a conclusão de um raciocínio que começa assim: «Nascer pequeno e morrer grande, é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento, e tantas para a sepultura. Para nascer, pouca terra; para morrer, toda a terra».

Este «chão» português nunca nos bastou, sempre quisemos ir mais além e ser cidadãos do mundo. Há inclusive um programa televisivo que retrata esta nossa coragem e vontade de partir pelo mundo, conhecendo novas culturas, adaptando-nos a elas e com elas enriquecendo a nossa experiência e os nossos conhecimentos.

É claro que muitos outros povos emigram, mas o povo português é especial neste aspeto. Com o povo espanhol, partiu em busca de novas terras, de novo mundo. E só mais tarde se lhes juntaram holandeses, franceses e ingleses.

Nascer em Portugal e usufruir das características únicas da nossa cultura é, para muitos, uma sorte. Mas, nem por isso, tal nos basta. Muitas são as pessoas que partem em busca de novas oportunidades, seja por necessidade, por idealismo, por vontade de voltar a «descobrir» novos lugares, novos povos, novas formas de estar.

Porém, há também quem se veja forçado a partir por não encontrar lugar no seu país. Sobre estes já me debrucei em textos anteriores. Contudo, são eles que dão sentido às palavras amarguradas de Torga: «Decididamente, fomos, somos e seremos um povo errado. Um povo que não encontra nem o seu destino, nem os seus homens».  

Creio, todavia, que o ponto essencial da afirmação de Padre António Vieira, lisboeta que viria a morrer no Brasil, não é a partida por necessidade ou obrigação, mas, antes, por vontade, por espírito aventureiro.

Efetivamente, temos de reconhecer que a época dos Descobrimentos (ou Achamentos, como hoje é mais politicamente correto designar) foi uma época em que as características do nosso povo se tornaram mais notórias. Unidos em torno de um ideal comum, da vontade de expandir o nosso território e de comprovar as teorias de navegação que apontavam para a existência de mais mundo do que aquele que conhecíamos, o povo português acreditou num desígnio que poderia tornar Portugal grande.

Graças à iniciativa do Infante D. Henrique, que procurava descobrir uma passagem marítima, pelo Sul de África, até ao Oriente, foram utilizados os instrumentos de navegação mais avançados, com base nos mais modernos conhecimentos da Matemática, Geografia e Ciência Náutica, a tripulação e as chefias foram bem preparadas e estavam conscientes da aventura de risco que empreendiam e das dificuldades a enfrentar, além de ter sido feita uma orçamentação cuidada. Ontem, como «Hoje, segues de novo… Na partida / Nem o pranto os teus olhos umedece, / Nem te comove a dor da despedida», como escreveu Olavo Bilac.

Tratou-se de um período da nossa história em que efetivamente, para morrer, só nos chegava o mundo, porque, como conta Torga, «cada qual arrancava de si o melhor que tinha na inteligência, no instinto e no coração, e trazia-o à tona da consciência ou em sabedoria, ou em beleza, ou em santidade. Foi um apogeu».

Também Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, não se contenta com o espaço português, afirmando: «Minha Pátria é a língua portuguesa».

Neste novo ano que se aproxima, desejo que todos estejam prontos para embarcar «já não [n]nas caravelas impossíveis do passado, mas [n]os veleiros possíveis do presente», como diz Torga, tornando o novo ano que se aproxima mais um passo do caminho em direção à felicidade.

Prontos para partir e ansiosos por chegar, os portugueses foram experimentando, ao longo dos séculos, a proximidade com os outros povos, chegando a sentir, no momento do regresso, alguma mágoa, como se parte deles, irrecuperável, ficasse para trás. Mas, por vezes, este pensamento global afasta-nos de questões locais, urgentes e importantes, que deveriam preocupar-nos, como a questão do comércio local, hoje em dia tão referido, mas tão pouco defendido.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services