Como a era digital está a mudar a entrega de comida

As aplicações estão a mudar o mercado de entrega  de refeições. Fidelização à primeira, tempo de resposta, entrega em casa e fins de semana são os pontos fortes

A era do smartphone veio revolucionar o dia-a-dia e também o comércio. Apesar da entrega ao domicílio ser um nicho menos falado, as mudanças no setor têm captado a atenção a nível internacional. Veredicto? Parece haver margem para crescer. 

Em 2016, a McKinsey & Company apresentou o estudo “The changing market for food delivery”, realizado ao longo de seis meses em 16 países para perceber melhor este mercado. 

A consultora concluiu que o mercado de distribuição de refeições ao domicílio ronda cerca de 83 mil milhões de dólares (69 mil milhões de euros), essencialmente na América, Ásia, Europa e Médio Oriente. Representa apenas 1% do setor da restauração a nível mundial mas calcula-se que o valor do mercado irá continuar a crescer 3,5% nos próximos cinco anos.

Apesar desta tendência de crescimento das aplicações que agregam e distribuem várias ofertas, a modalidade mais comum continua a ser a tradicional, ou seja, quando um consumidor contacta diretamente o restaurante para que lhe entregue o pedido em casa, representando cerca de 90% do mercado. Porém, esta percentagem irá diminuir nos próximos anos com o aparecimento e fortalecimento de novos instrumentos de compra online. De acordo com o mesmo estudo, as gigantes deste setor são a Just Eat, a GrubHub, a Delivery Hero, a Deliveroo e a Takeaway.com – valorizadas acima dos mil milhões de dólares cada (842 milhões de euros). As cinco juntas valem assim mais de 10 mil milhões de dólares (8 mil milhões de euros). 

Entre as plataformas digitais, existem duas tipologias distintas: as “agregadoras” e as “novas distribuidoras”. As primeiras – como a Zomato – começaram a surgir há cerca de 15 anos, oferecendo acesso às ementas dos vários restaurantes, possibilitando a comparação e avaliação pelo cliente. Mas, nestas, o pedido é feito diretamente ao estabelecimento, sendo que a entrega é também da sua responsabilidade. A plataforma apenas fica com uma pequena comissão paga pelo estabelecimento. 

Por outro lado, as “novas distribuidoras” são uma evolução face às “agregadoras”. Para além de disponibilizarem as ementas dos vários restaurantes com quem têm parcerias, estas empresas também procedem à entrega ao domicílio das refeições, cobrando uma margem maior pelo seu serviço tanto ao cliente como aos restaurantes. Apesar dos custos de transporte, estas empresas alcançam normalmente uma margem de lucro de cerca de 30%, permitindo a consolidação no mercado. Por exemplo, a McKinsey calcula que, em 2025, este submercado representará cerca de 20 mil milhões de dólares (16 mil milhões de euros). 

Poder-se-ia pressupor que as empresas “novas distribuidoras” entrariam em confronto com as “agregadoras” pelo mercado, mas parece não ser essa a tendência. Enquanto as “agregadoras” se digladiavam numa guerra de publicidade e de controlo do mercado, as “novas distribuidoras” foram surgindo, criando e ocupando novos segmentos. Alargam-se a mais restaurantes e clientes, presumindo-se que no futuro os estabelecimentos com entrega própria venham a abandonar esse serviço para migrarem para as “novas distribuidoras”. O principal motivo será o custo de manutenção das frotas de distribuição e dos trabalhadores – até que, porventura, venham a ser substituídos por robôs de entrega. Estabelecer uma parceria de outsourcing poderá ser mais lucrativo do que manter o próprio serviço. 

O crescimento deste mercado tem por base duas tendências dos consumidores: a de preferirem comer em casa em vez de irem jantar a um restaurante e a de optarem por comida já preparada em vez de cozinharem. No fundo, a base do mercado é a escolha pela comodidade. 

Se as empresas querem dominar o mercado, há quatro pilares fundamentais no setor que importa compreender, segundo o mesmo estudo da McKinsey. O primeiro é a fidelização: a maioria dos consumidores mantém-se na mesma plataforma (80%) depois de a ter utilizado uma vez e ter ficado satisfeito. A segunda é o tempo de entrega: para 60% dos clientes, é decisivo para continuarem a usar a plataforma. A terceira constatação é que as entregas em casa têm um peso muito maior do que as entregas no local de trabalho (82% contra 16%). Por fim, a última e quarta característica cinge-se aos períodos de maior fluxo: sexta, sábado e domingo representam quase dois terços da totalidade dos pedidos.

Possível evolução Como em todo o universo tecnológico, neste setor também há empresas nascidas em garagens e que se tornaram milionárias. É o caso da DoorDash, uma aplicação criada em 2013 por estudantes universitários que rapidamente recolheu 60 milhões de dólares de fundos de investimento. A empresa sediada na Califórnia, Estados Unidos, consiste numa aplicação com centenas de parcerias com restaurantes. O serviço baseia-se em fazer a ligação digital entre o cliente, o restaurante e o estafeta. O consumidor escolhe a ementa, que é depois comunicada ao restaurante e, mais tarde, um estafeta, devidamente registado no serviço, recebe uma notificação para decidir se aceita o serviço de entrega ou não. No fim, a empresa recebe uma comissão das três partes pelo serviço prestado. 

O principal segmento de mercado da DoorDash é precisamente a geração dos millennials, habituados às novas tecnologias. Outra novidade deste serviço é o pagamento por meio da Apple Pay, que já representa 30% da faturação e sugere que há muito mais a mudar do que o setor da restauração. “Descobrimos que está a decorrer uma transformação dos tradicionais métodos de pagamento, como cartões de crédito, para métodos como o da Apple Pay”, disse Abhay Sukumaran, diretor de produtos da DoorDash, ao website de tecnologia PYMNTS. 

Para Sukumaran, a empresa não se foca em comida, mas sim em logística, o que abre um enorme leque de potencialidades. E esta é uma tendência a que as restantes empresas do mundo das “novas distribuidoras” poderão vir a aderir, expandindo-se cada vez mais o conceito que começou nos anos 80 com os pizza boys para cada vez mais mercados, da entrega de flores ao álcool.