Vergonha, Senhores Deputados: o “chupismo” à portuguesa

Vergonha. Incrivelmente triste. Mais uma situação que fere a dignidade da nossa democracia

1.Vergonha. Incrivelmente triste. Mais uma situação que fere a dignidade da nossa democracia. Diz-se que (opinião com cada vez mais seguidores) a política precisa de ser feita por políticos: técnicos da política que dominem os mecanismos, o discurso e as complexidades específicas da política. E que fazer política reclama avultados recursos financeiros. Logo, era preciso agir legislativamente no sentido de permitir que os partidos pudessem encaixar o máximo de receitas financeiras possível.

2.Surgiu, assim, a nova lei do financiamento dos partidos – ou, mais rigorosamente, segundo os doutos Senhores Deputados da Nação, uma “clarificação à lei que já vigorava e que obrigue a Autoridade Tributária e a Entidade de Fiscalização das Contas dos Partidos Políticos – que trabalha junto ao Tribunal Constitucional – a conformar o seu entendimento interpretativo da lei à vontade dos nossos excelsos deputados.

E que serviço nobre prestaram estes nossos deputados à Nação portuguesa? Antes do Natal – para que passasse despercebida e os portugueses não lhe prestassem a devida atenção, por entre as rabanadas, o bolo-rei, os presentes e o convívio familiar- aprovaram uma lei que permite, em termos mais generosos, os donativos privados e isenta de IVA os partidos políticos.

Não foi por acaso: os nobres e excelsos Deputados da Nação adiaram sucessivamente a votação da lei para escolher o momento em que a sua aprovação fosse susceptível de passar mais dissimulada mediaticamente; enfim, para que os portugueses não soubessem como os deputados de todos os partidos (com as honrosa excepções do CDS/PP e do PAN) são capazes de atribuírem benefícios e “presentes de Natal” a si próprios. Traindo todos aqueles que a si votaram – supostamente, estes mui excelsos Deputados deveriam representar o povo português. Pois, está bem…

3.Dir-se-á que esta lei é imprescindível para o incremento da qualidade política dos partidos políticos e, logo, da democracia portuguesa. Neste sentido, o financiamento privado (sem limitações) e o reembolso do IVA com aplicação retroactiva seriam vitais.

4.Nenhum destes argumentos convence.

4.1. Em primeiro lugar, porque das duas, uma: ou o financiamento é privado e dispensa-se o pobre do contribuinte português de dar dinheiro aos partidos políticos para as suas actividades de carne assada e concertos do Tony Carreira (por muitos méritos que tenha este cantor); ou o financiamento é público, mediante a atribuição de subsídios ao exercício da actividade partidária, sujeito ao pagamento de imposto (como qualquer outro contribuinte português), havendo limitações estritas aos donativos privados.

Agora, os nossos excelsos e sábios Deputados quiseram o melhor de dois (de todos!) os mundos: financiamento privado ilimitado (à imagem dos interesses do PCP, mas que PS, PSD e BE agradecem), mais financiamento público com um regime fiscal privilegiado. É obra!

Tamanha desfaçatez é um insulto aos portugueses: da autoria dos mesmos políticos que andaram (e andam) a pregar o moralismo, a inevitabilidade de um sistema fiscal rigoroso e apertado, que aumentaram brutalmente a carga fiscal, que inventam impostos sobre tudo e sobre nada, que aprovaram a atribuição de bónus aos funcionários da AT mediante a arrecadação da receita (o que incentivou a atropelos inadmissíveis e intoleráveis aos direitos fundamentais dos contribuintes que antes de o serem, são cidadãos!).

Como acreditar nestes representantes? Como acreditar que estes políticos representam os interesses do povo português? Ficou demonstrado à exaustão que, no topo da sua lista de prioridades, os deputados têm os seus interesses pessoais – e só depois, muito depois, os interesses dos portugueses…

4.2. O que mais impressiona, no entanto, é a má fé da actuação dos quatro partidos com maior protagonismo na política portuguesa: sabiam que este lei seria polémica e uma afronta aos cidadãos nacionais – e, por conseguinte, tentaram escondê-la de todos nós. E o pior é que foi uma má fé deliberada, propositada. Tais mui excelsos Deputados não se deram ao respeito – não merecem, por conseguinte, serem respeitados pelos portugueses.

O incrível é que se for um contribuinte comum, o poder político português incentiva que a AT tribute tudo, da forma mais agressiva possível – e se eventualmente o Tribunal vier a dar razão ao pobre coitado (que somos todos nos!), o Estado português demora anos a pagar o que deve.

 E o nosso querido Parlamento, em matéria fiscal, só sabe aprovar aumentos de impostos e diminuição de garantias dos contribuintes – excepto se a lei beneficiar os próprios políticos e os partidos. Nesse caso, são muito céleres, eficientes e consensuais: haverá maior geringonça que PS, PSD, BE e PCP juntos a aprovar um prémio fiscal para eles próprios?

4.3. Incompreensível é a posição do PSD, que votou ao lado da geringonça. O PSD tinha aqui uma oportunidade dourada para se demarcar com frontalidade da extrema-esquerda e do PS radical, deixando António Costa fatalmente colado a esta lei vergonhosa.

Mas não: o PSD acabou de dar mais um tiro no pé. Afinal, o PSD quer ser igual à geringonça – com os mesmos vícios e a mesma capacidade de trocar convicções por conveniências e interesses próprios. O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, fica muito mal na fotografia: demonstra que não tem pulso, nem ainda estatura política para exercer as funções de líder parlamentar do maior partido político português. Soares vai ficar sempre colado a esta vergonha democrática – e prova que foi um erro de casting.

5.Agora, resta-nos o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

O que fará Marcelo?

Marcelo irá vetar a lei. E vetá-la politicamente, isto é, por razões políticas (pese embora a argumentação tenha fundamentos de índole mais jurídica), sem enviar o diploma para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional. Porquê?

5.1. Primeiro, porque Marcelo, por razões de princípio, rejeitará sempre ficar colado a uma lei que fere a credibilidade e a dignidade da democracia portuguesa.

Para um Presidente que gosta de puxar pelos galões da imparcialidade, promulgar uma lei que objectivamente serve apenas os interesses de quem a aprovou seria uma contradição insanável – e politicamente um erro.

5.2. Segundo, Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto Professor de Direito, sempre defendeu que se deveria promover um debate amplo sobre os mecanismos e limites do financiamento aos partidos públicos. Ora, esta lei, não só não promoveu o debate, como foi aprovada às escondidas dos portugueses e do próprio Presidente da República.

Uma lei às escondidas é o contrário de uma democracia transparente de um Estado de boa fé como a Constituição impõe. 

5.3. Terceiro, o tratamento especial, injustificado e desproporcionado, que a lei vem consagrar para os partidos políticos – enquanto que todos os outros cidadãos, empresas e associações são esmagados pela burocracia estatal e pelo sistema fiscal.

5.4. Quarto, Marcelo Rebelo de Sousa perceberá certamente que esta colagem do PSD a esta lei vergonhosa pode condenar fatalmente o partido a breve/médio prazo.

Assim, Marcelo tem que se posicionar como a reserva moral da República. Como a internalização (trazer para dentro do sistema) do descontentamento de 99, 99% da população portuguesa. Já para não dizer que esta é mais uma oportunidade para Marcelo reforçar o seu poder pessoal face a um Governo amarrado ao seu “pecado original” e a um Parlamento que anda pela rua da amargura em matéria de ética…

6.Tudo isto dito e ponderado, esperemos que o Parlamento não desafie a decisão de Marcelo e confirme o diploma, sem possibilidade posterior de o Presidente recusar a sua promulgação, nos termos constitucionais. Seria uma vergonha ainda maior para a democracia portuguesa.

7.E já repararam que, nesta matéria tão sensível e vergonhosa, os comentários aqui nas caixas de comentário foram poucos ou bem mais suaves? A razão é simples: é que quem comenta frequentemente é principescamente pago pelos partidos políticos – com o dinheiro dos contribuintes…

8.Alguns dirão que este nosso texto é populista. Pois bem, antes ser populista do que ser “chupista”.

Esta lei é basicamente uma autorização parlamentar para os partidos “chuparem” o dinheiro dos contribuintes portugueses…É o verdadeiro “chupismo” institucional. Uma vergonha!!!

Tenham vergonha, Senhores Deputados!