MP brasileiro acusa Schmidt de usar dinheiro do crime em lisboa

Após a defesa do arguido da Lava Jato ter pedido pareceres a três constitucionalistas portugueses para tentar impedir extradição para o Brasil, o procurador brasileiro responsável reage ao SOL dizendo-se perplexo com o facto de Raul Schmidt estar a usar dinheiro do crime para pagar juristas. 

O procurador brasileiro que coordena a investigação a Raul Schmidt – o arguido da Lava Jato detido em Lisboa no ano passado – espera que a extradição se concretize em breve e critica a postura do arguido, que, segundo afirma, anda a pagar com dinheiro do crime pareceres a Constitucionalistas de renome em Portugal, com o objetivo de «sustentar o insustentável». Diogo Castor de Mattos afirma ainda que a nova lei portuguesa da nacionalidade não altera os pressupostos da extradição e frisa que os pareceres pedidos pela defesa a constitucionalistas de renome são apenas «manifestações pagas» e, por isso, sem credibilidade.

Em declarações ao SOL, o procurador da República Diogo Castor de Mattos reagiu aos pareceres pedidos pela defesa de Schmidt aos constitucionalistas portugueses Gomes Canotilho, Paulo Otero e Rui Moura Ramos, nos quais se defende ser ilegal a extradição do cidadão luso-brasileiro para o Brasil. Os juristas consideram que com a nova lei da nacionalidade e tratando-se de um brasileiro neto de portugueses, Raul Schmidt – suspeito no Brasil de crimes de corrupção, branqueamento de capitais e organização criminosa –, tem os mesmos direitos de um português de nascença, o que impossibilitaria a aceitação do pedido formulado por Brasília.

Com estes pareceres, a defesa pretende por em causa a decisão da ministra Francisca Van Dunem que admitiu a extradição (numa fase administrativa) ao abrigo da anterior legislação, uma vez que Raul Schmidt só era considerado português a partir do momento em que requereu a nacionalidade, ou seja, 14 de dezembro de 2014, e podia ser extraditado por crimes anteriores a essa data. Mas a defesa também quer que o Tribunal da Relação de Lisboa, a quem compete decidir extradições, volte atrás com a decisão tomada em 2016 – e entretanto já confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça em setembro.

‘Continua a usar produto do crime’

O procurador Diogo Castor de Mattos garantiu ao SOL que no Brasil os investigadores têm conhecimento de que já foi deferida a «extradição em duas instâncias» e que neste momento só se «aguarda o julgamento do último dos últimos recursos».

Quanto aos pareceres de constitucionalistas de peso tornados públicos esta semana pelo DN, Castor de Mattos – que acompanhou as diligências da Lava Jato em Lisboa – garantiu que os mesmos foram recebidos com alguma perplexidade do outro lado do Atlântico. 

«A gente fica um pouco perplexos que o réu continue usando dinheiro do crime para contratar pareceres jurídicos e sustentar o insustentável. Continua usufruindo do produto do crime, da atividade ilícita», diz o magistrado, salientado que Schmidt «lavava dinheiro» e que «agora usa agora o dinheiro do crime para ficar pagando a pessoas para fazer pareceres que atendem aos interesses dele». Castor de Mattos garante ainda que se o Ministério Público tivesse «o dinheiro que ele tem para pagar, essas pessoas fariam pareceres favoráveis aos interesses da investigação». Diz, por isso, não ver grande relevância nessas posições: «Não têm credibilidade nenhuma essas manifestações pagas. Não têm imparcialidade, são uma estratégia agressiva da defesa para tentar travar a iminente extradição».

Tendo em conta a forte cooperação judiciária entre os dois países, o procurador brasileiro diz não ter nada que indique qualquer mudança no rumo do processo e garante confiar «no sistema português». 

Além de ter havido já duas instâncias a dar razão às pretensões da investigação brasileira, Diogo Castor de Mattos diz que a posição da equipa da Lava Jato é muito forte: «Raul Schmidt cometeu crimes quando não era português e fugiu para Portugal apenas para se refugiar da prisão aqui no Brasil. Esse é o único entendimento razoável». E deixa uma crítica: «Só pagando mesmo para alguém concordar com ele».

A nova lei também não é um impeditivo para a extradição, segundo o investigador brasileiro, dado que os crimes em causa são anteriores a 2011, ou seja, anteriores à entrada em vigor da lei e até anteriores a Raul Schmidt ter pedido a nacionalidade portuguesa.

«A própria Constituição portuguesa não impede a extradição de portugueses envolvidos em criminalidade organizada transnacional. Nós prometemos reciprocidade, o Estado brasileiro prometeu reciprocidade no caso de um português na mesma situação, então isso aí é esperneio da defesa, é argumento de quem não quer pagar pelos seus graves crimes. Juridicamente não vejo plausibilidade nenhuma nesse pleito da defesa», defende. 
O procurador elogiou ainda a forma como se tem desenvolvido a cooperação entre os dois países e deixou claro que espera que esta «situação seja resolvida o mais rápido possível, sob pena de se premiar o criminoso habitual, contumaz, profissional, de se premiar a impunidade que é o que o réu quer – ficar livre e fugir a todo este inquérito-crime».

O que dizem os pareceres

Os pareceres pedidos a Gomes Canotilho, Paulo Otero e Rui Moura Ramos concluem, segundo noticiou o DN, que o arguido não pode ser extraditado. Paulo Otero fala mesmo num «inequívoco abuso de direito por parte da administração pública», dado que além da «ilicitude» de Francisca Van Dunem admitir a extradição, existe uma ilicitude anterior, ou seja, o atraso na entrada em vigor das alterações à lei da nacionalidade. Isto porque, refere o parecer citado pelo jornal, «se o governo tivesse cumprido o prazo de 30 dias a que estava obrigado, em finais de agosto de 2015 a Lei orgânica nº9/2015 já teria entrado em vigor» e, assim, «todo o regime que permitindo ao Dr. Raul Schmidt Felipe Júnior adquirir a cidadania originária, impossibilitaria a senhora ministra da Justiça de, em 26 de abril de 2016, considerar ‘admissível o pedido de extradição’». No parecer de Paulo Otero é ainda referido que a cidadania originária tem efeitos retroativos.

Uma posição acompanhada por Gomes Canotilho, que considera que a extradição não pode acontecer: «É inequívoca a inadmissibilidade constitucional do cidadão português Raul Schmidt».

Também Rui Moura Ramos deixa claro no seu parecer citado pelo DN que tanto as autoridades judiciárias como as administrativas têm de reconhecer Raul Schmidt como português originário, impossibilitando assim a sua extradição.
Ministra da Justiça não volta atrás

A ministra da Justiça não vai voltar atrás com a decisão de admissibilidade da extradição. Em declarações ao SOL, o gabinete de Francisca Van Dunem explicou que «o requerente adquiriu, por naturalização, a nacionalidade portuguesa por decisão de 14 de dezembro de 2011». Assim, continua a mesma fonte, «por despacho da Senhora Ministra de 26 de abril de 2016, foi declarada a admissibilidade do pedido de extradição da República Federativa do Brasil». Depois da fase administrativa, «o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de julho de 2016, deferiu o pedido extradição da República Federativa do Brasil e consequentemente autorizou a extradição», encontrando-se «agora, pendente, de decisão no Tribunal Constitucional».

Ao SOL, Van Dunem  foi taxativa quanto à impossibilidade de voltar atrás com a decisão que tomou de admitir a extradição (algo que a defesa pretende): «A decisão sobre a extradição pertence, atualmente, em exclusivo, por inteiro aos órgãos jurisdicionais, não sendo admissível, por força do princípio constitucional da independência dos tribunais, qualquer intervenção do Ministério da Justiça. Serão, portanto, os tribunais que decidirão, soberanamente, sobre todas as questões relativas à extradição, designadamente a relativa à inconstitucionalidade de quaisquer normas jurídicas».
O SOL pediu ainda um comentário ao gabinete da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, que disse não se pronunciar «sobre matérias que estão a ser objeto de apreciação no âmbito dos tribunais».