Merkel parte fragilizada para negociações com o SPD

Metade dos alemães não quer que a chanceler acabe o próximo mandato. Negociações com o SPD vão ser difíceis, mas podem também marcar o regresso à normalidade.

A chanceler alemã atravessa um período de fragilidade raro, consequência, acima de tudo, da também invulgar instabilidade política na Alemanha: passados três meses sobre as eleições de setembro, Angela Merkel ainda não conseguiu formar Governo, acerca-se de negociações difíceis com o relutante parceiro social-democrata e, revelou-se esta semana, quase metade dos alemães quer que a chanceler não complete o quarto mandato e abandone o poder antes das próximas eleições, agendadas para 2021.

Esta é a conclusão de uma sondagem publicada esta semana no diário alemão Die Welt e conduzida pelo YouGov. Segundo a consulta, 47% dos eleitores alemães querem que Merkel abandone o governo antes do fim da legislatura, contra 36% que preferem que a chanceler termine os quatro anos. Os números são próprios de um sistema multipartidário em que a maioria dos eleitores não votou em Merkel – a sua CDU/CSU conquistou apenas 33% nas eleições. Apesar disso, a mesma sondagem realizada em outubro sugeria que 44% preferia então um mandato completo de Merkel contra 36% que pediam a sua partida precoce. 

A quebra no apoio à chanceler deve-se sobretudo ao descalabro nas primeiras negociações para formar governo com os liberais do FDP e os Verdes – a difícil solução tripartidária a que se deu o nome ‘Jamaica’ e que descarrilou no final de novembro. Agora, a chanceler tem a sua segunda e última hipótese para formar um governo estável e com maioria no Bundestag. As negociações com o atual parceiro de governo, os social-democratas do SPD e de Martin Schulz, arrancam apenas em janeiro, mas preveem-se difíceis. Schulz registou o pior resultado eleitoral do partido de centro-esquerda no pós-Guerra (ver texto abaixo) e isso deve-se consensualmente ao desgaste de quatro anos de Governo com os conservadores de Merkel. 

O ex-presidente do Parlamento Europeu e a chanceler alemã carregam ambos um fardo pesado para as negociações de janeiro. Os dois querem evitar uma nova ida às urnas que poderia beneficiar a extrema-direita e certamente acentuaria a instabilidade. Em simultâneo, os dois líderes sofrem pressões aparentemente assimétricas:Schulz quer uma agenda de reformas económicas e europeias que liberte o SPD da sombra dos cristãos democratas e Merkel, por sua vez, tem de resistir às críticas internas que defendem que foi a ida da CDU para o centro – e até a alguns temas da esquerda – o que abriu espaço à ascensão da direita nacionalista alemã.

A fragilidade de Merkel, contudo, é muito relativa. Na mesma quarta-feira em que o Die Welt publicou a sua sondagem sobre a chanceler, o tablóide Bild publicou a sua mais recente consulta às tendências de voto. Os democratas cristãos de Merkel subiram dois pontos percentuais em relação às sondagens das últimas semanas e recuperaram o patamar dos 33% com que concluíram as eleições de setembro. Já o SPD de Schulz subiu meio ponto desde a última consulta, também ocupando o nível da ida às urnas. E a extrema-direita da AfD (Alternativa para a Alemanha), igualmente nos 13% das eleições, caiu um ponto entre publicações. 

A crise de popularidade de Merkel – que recentemente se viu também criticada pelas famílias das vítimas do atentado terrorista no Natal anterior – não parece ter influenciado a paisagem política alemã. E a chanceler tem vindo a mostrar sinais de que está disposta a cumprir algumas das reformas que Schulz lhe exigirá, como explica o colunista Paul Taylor no portal Politico. «Pessoas próximas das negociações falhadas dizem que ela insistiu em ter a rédea solta para avançar com as reformas de Paris e da Zona Euro, e em não estar manietada».