A lotaria popular…

Há mistérios que perduram sem que se vislumbre solução. Por muito que se queira transformar a política num jogo de fortuna e azar, e o futuro do país numa lotaria permanente, se houvesse um módico de pudor, o ministro Vieira da Silva estaria em muito maus lençóis. 

Mas há um pacto de silêncio, no qual se cumpliciaram as esquerdas da ‘geringonça’, que tanto ‘premiou’ a opacidade e as incongruências de Azeredo Lopes como permitiu as contradições sonsas de Mário Centeno, ou as aselhices de Adalberto Campos Fernandes. 

Ora, Vieira da Silva – uma das heranças socráticas do atual Governo – achará ter boas razões para confiar na eficácia da máquina socialista, que sabe ‘varrer para debaixo do tapete’ – com algumas prestimosas ajudas nos media – tudo aquilo que possa beliscar as suas figuras de proa na gestão da coisa pública. 

Alguns episódios explicam o desconforto do ministro. Desde a atribuição, em 2009, numa das suas primeiras vidas no Governo, de um avultado subsídio a uma IPSS em Guimarães, dirigida por um familiar chegado, até ao envolvimento nos corpos sociais da Associação Raríssimas. Nada é comparável, porém, à pressão que terá exercido sobre a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que tutela, para sair em socorro do Montepio. 

Se, em Espanha, a tradicional lotaria El Gordo tirou de aflições uma sexagenária em Barcelona, desempregada de longa duração – que disputou a primazia das capas dos jornais, apesar das eleições catalãs –, por cá a Santa Casa da Misericórdia, concessionária das lotarias, quer confortar mais um banco, tão comercial como os outros, embora mascarado com uma suposta vocação social. 

Na Caixa Geral de Depósitos foi o desatino que se conhece, cujos beneficiários são ‘segredo de Estado’. Chegou a vez da recapitalização do Montepio, e nada melhor do que desnatar a Santa Casa para salvar uma instituição mutualista, que arriscou onde não devia.

É público e notório que Vieira da Silva «empurrou a Santa Casa para o Montepio», como publicou o Expresso em capa, baseando-se numa ata que confirma «a intenção do Governo» de convencer a instituição a aplicar entre 150 e 200 milhões da sua liquidez, a troco de uma fatia de 10% daquele banco. 

Sucede que, enquanto a participação estará longe de valer tanto, um parecer interno da SCML advertiu, prudencialmente, que qualquer investimento «tanto no setor imobiliário como no financeiro» não deveria ser superior a 10% do seu ativo total, ou seja, 75 milhões de euros. 

Será sensato alocar quase 30% de todo o ativo da Santa Casa num único investimento? – interrogava-se o economista e presidente do ISEG, João Duque, na sua coluna do mesmo semanário. E concluía, mordaz: «Transferir o risco de alguns para desfavor dos mais pobres e desfavorecidos da sociedade não lembraria ao mais frio, gordo e careca dos capitalistas!». 

Mas lembrou a Vieira da Silva, que, para isso, nomeou como sucessor de Santana Lopes um socialista engagé, e foi buscar o seu antigo chefe de gabinete para vice-provedor. Tudo em família. 

Depois, como se observou no caso da associação Raríssimas, se tocar a rebate, o ministro negará conhecer qualquer malfeitoria e ‘sacudirá a água do capote’, não obstante ter feito parte dos corpos sociais da instituição. 
Num ápice, a cúpula da Santa Casa passou a ser um feudo socialista obediente. O escândalo segue dentro de momentos…

Outro escândalo à vista poderá ser o corolário da guerrilha instalada pelo PCP na Autoeuropa, via CGTP, na linha de atuação cega que vitimou já a fábrica da Opel na Azambuja. 

Afinal, o que lucra o PCP em semear a confusão noutra empresa-chave para o setor exportador, arriscando lançar no desemprego milhares de pessoas? 

É um novo mistério. É verdade que o PCP se sujeitou a um prolongado jejum na Autoeuropa, graças à carismática liderança de António Chora na CT da empresa, que sempre se opôs aos desígnios da CGTP. Ao reformar-se, abriu a porta aos ‘peões’ manipulados por Arménio Carlos. 

O líder da CGTP precisa de dar nas vistas. E já nem disfarça. 

Num panfleto a que o Público deu guarida, como texto de ‘opinião’, Arménio tortura o léxico português com a mesma ligeireza com que maltrata o discernimento dos seus fiéis e chega ao ponto de antecipar uma nova estratégia empresarial para a Autoeuropa, aconselhando a substituição de «uma parte da produção dos carros com motor a combustão por viaturas com motor elétrico».

 Claro que tão inestimável contributo, feito com a sabedoria do antigo eletricista da Carris, não deve contender com o sacrossanto direito dos empregados da Autoeuropa a gozarem o sábado…

A ‘geringonça’ deu nisto: entre a comédia e a farsa, a política doméstica converteu-se numa alegre lotaria popular… 
Bom Ano!