PSD: A cartilha do futuro líder

Das palavras às propostas. Numa campanha marcada por quezílias mais mediáticas que programáticas, o SOL analisa os programas dos dois candidatos à liderança do PSD.  

PSD: A cartilha do futuro líder

A comparação é feita em formatos diferentes, mas as diferenças e as semelhanças não deixam de transparecer. Rui Rio e Pedro Santana Lopes, os dois candidatos à liderança do PSD – ou do PPD/PSD, como prefere um deles, sendo que em Bruxelas o ‘SD’ desparece de todo – têm finalmente as suas propostas para o para o partido e para o país. 
Ambos, em discurso, já falam do que farão «enquanto primeiro-ministro» e a sua visão de políticas públicas enverga essa ambição de governação. Ainda é um discurso mais do que «eu faria» do que propriamente de «eu farei». A experiência política que partilham a esse realismo obriga.

Numa campanha interna mais marcada por quezílias mediáticas (como o agendamento de debates televisivos ou as trocas de sondagens e apoios) do que propriamente por divergências programáticas – afinal de contas, tanto um como o outro já assumiram ambicionar eleitorado «do centro-direita ao centro-esquerda» – esta semana celebrou-se o facto de finalmente ser possível comparar o que propõem os dois homens para o futuro do país, ainda que as respetivas respostas venham em formatos distintos: Santana Lopes apresentara, no início do mês, a proposta de programa da sua comissão nacional, e Rio apresentou, já neste final de dezembro, a sua moção global ao congresso (um documento que Santana também já tem concluído e que tornará público na primeira semana de janeiro). 

A moção de Rio foi coordenada pelo ex-ministro David Justino; o programa da candidatura de Santana foi coordenado pelo antigo autarca Telmo Faria. Os dois documentos receberam vários contributos e abordam todas as áreas de governação. 

Santana, na sua apresentação, insistiu na ideia de «menos Estado, melhor Estado», numa base liberalista que nunca renegou, nem na primeira vez que falou aos milita ntes enquanto candidato à liderança (em Santarém), sendo esse traço algo compensado pela sua experiência enquanto provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, na preocupação da universalidade dos serviços públicos, da valorização do terceiro setor e da «intergeracionalidade». Dito de outro modo: Santana, ideologicamente, aponta para um liberalismo progressista. 

Rio, também ideologicamente, para um centro-esquerda realista. 

Que estado?

Em resposta indireta à matriz de «menos Estado, melhor Estado» de Santana, David Justino atirou, na apresentação da moção de Rio (em Leiria): «Mais Estado ou menos Estado é uma falsa questão. Do que precisamos é de um Estado diferente, com prioridades atuais». A preocupação central de Rio, nesse sentido, é modernizar o que antes funcionava e agora deixou de funcionar, enquanto Santana olha para a inovação (falando de temáticas como a digitalização e a modernização tecnológica), não esquecendo, na veia executiva, o que resultou de positivo da governação de Passos Coelho. E tal é manifesto em diversos campos: da concessão de protagonismo social às IPSS até mesmo a reformas comunitárias como a criação de um Fundo Monetário Europeu. 

Rio, por seu turno, aponta a um centro ideológico – e idealizado já durante estas diretas nas intervenções do seu mandatário nacional, Nuno Morais Sarmento. É pretendido, então, «um novo contrato social que se afaste do discurso libertário anti-Estado e simulta-neamente das soluções estatizantes e igualitárias que dominam a esquerda». 

Do ponto de vista dos costumes – na tradição do PSD, mais pessoal que propriamente partidário –, Santana assume-se católico praticante (contra a eutanásia, mas não contra um referendo sobre a eutanásia) e Rio é aí menos conservador, tendo sido defensor, já há mais de dez anos, da interrupção voluntária da gravidez. No programa de Santana, todavia, reserva-se uma inteira secção para a igualdade de género, estando o feminismo de Teresa Morais visível como contributo – e também na apresentação do programa isso se sentiu. 

Estão publicamente reportadas, incluindo por este jornal, as aproximações dos dois candidatos em matéria fiscal (ambos defendem a redução do IRC, diminuindo os impostos às empresas), a coesão territorial e a prioridade de um crescimento económico mais elevado e em convergência com a média europeia. Santana defende a descentralização, Rio ataca o centralismo e um «corporativismo» que diz herdado «do Estado Novo». É ler: «Em 43 anos de regime democrático Portugal não conseguiu libertar-se de dois legados do regime deposto em 25 de Abril de 1974: o centralismo e o corporativismo». 

O regresso da soberania

A soberania – um conceito largamente monopolizado nos últimos anos pela esquerda (em reação à intervenção externa) e usualmente mais característico da direita (o CDS) – é uma das surpresas nas duas propostas. Rio diz que, «se o Estado não está organizado para exercer os poderes básicos de soberania, nem a liberdade vinga, nem a dignidade se respeita e nem a coesão social se assegura»; Santana tem capítulo dedicado ao reforço e à reforma das áreas de soberania, nomeadamente a muito fustigada Proteção Civil, e chega mesmo a defender que a integração europeia, no que diz respeito à cooperação de defesa (PESCO), deve ser realizada «dentro de limites que não ponham em causa a nossa soberania». 

É curioso constatar que o diagnóstico de cada um é feito sempre de uma perspetiva dedutiva. A moção de Rio, mais generalista, introduz as respostas com uma análise ao contexto de uma globalização com falhas e riscos (que merece correção e adaptação) e de uma economia interna que «não pode ser» – isto é, não devia ser – de baixos salários e baixas qualificações. Os denominados «factores identitários» (da cultura à ecologia) são enumerados como possíveis vantagens. Santana também abre cada capítulo com um ponto de partida de comparação, mas mais próximo, fornecendo dados de médias europeias que importa alcançar e de que modo se propõe consegui-lo.

Tanto um como o outro falam de reforma do Estado e de reforma partidária numa lógica mais participativa do que representativa. Rio insistindo num discurso em torno da dimensão ética, como é seu hábito e pedindo «partidos abertos à participação dos cidadãos, credíveis e plenamente entrosados com a sociedade». Santana Lopes, mais longe, propõe até o «fomentar de uma democracia direta e participativa com envolvimento permanente da sociedade civil nas políticas públicas» de maneira a dar «importância aos referendos» a nível nacional, regional e local.

Na família, há um olhar atento às gerações mais jovens. Santana quer instituir uma «agenda da criança», reforçando a preocupação com a mortalidade infantil e com o desenvolvimento das crianças portuguesas e Rio quer também «uma política sustentada de proteção da maternidade e de valorização da educação de infância».

Na educação, Rio considera-a «o instrumento mais decisivo de mobilidade social ascendente e da promoção da igualdade de género» e Santana também aqui defende a descentralização e o «aproximar os setores produtivos e as empresas das universidades, dos polos tecnológicos, das escolas técnicas e profissionais, garantindo o encontro entre procura e oferta». Ambos condenam a instabilidade no setor e lembram o necessário respeito pelos professores, num tempo em que a tensão dos profissionais da educação em Portugal com o Governo vem crescendo.

Preocupações comuns na saúde

Na saúde é talvez onde se confirmam mais sinergias, embora o programa de Santana possua espaço maior para pormenores ainda assim importantes. A moção de Rui Rio afirma que «teremos de entender o Sistema Nacional de Saúde a partir de uma visão integrada, cooperativa e pragmática dos diferentes prestadores de cuidados de saúde, públicos, privados»; uma articulação também já elogiada na apresentação do programa da candidatura de Santana. 
Ambos demonstram também receio com os casos de infecção hospitalar (Rio: «É necessário minimizar os riscos de infeções, aumentar a segurança dos doentes e profissionais de saúde, bem como assegurar as melhores condições de trabalho e de bem-estar dos doentes, especialmente nas urgências hospitalares»; Santana: «Reduzir a taxa de infeções hospitalares em todo o sistema de saúde português.

Portugal tem uma elevada taxa de infeções hospitalares, da qual resultam muitas mortes evitáveis nos serviços de saúde»). E apesar do programa de Santana explicitar «a defesa de um sistema de saúde plural assente num modelo de liberdade de escolha», o candidato clarificou depois que, consigo, não há margem para colocar em causa a «universalidade» do SNS. No fundo, amigos, amigos e liberalismo à parte. E isso serve para os dois.