O vigário, um conto de Natal

Ainda mal refeitos do escândalo da Raríssimas, onde os governantes – e, no caso de Vieira da Silva, um dos pilares do Governo e reserva técnica e moral do PS – aparecem fortemente comprometidos, quanto mais não seja no plano ético, o país a viver o Natal descobre qual o espírito natalício dos partidos políticos. 

A alteração legislativa tinha tudo para se tornar o caso político no qual se tornou. 

A começar pelo tema: o financiamento partidário causa urticária às pessoas. Sendo o tema sensível, obrigaria sempre a especiais cautelas no processo de revisão legislativa: era necessária pedagogia, abertura, transparência, debate. Sucedeu o inverso.

Depois, o processo decisório (reuniões, audiências, registo, atas), que em democracia é garantia de direitos, parece nem sequer ter existido. 

Finalmente, a escolha do momento: as vésperas de Natal. 

Mal comparado, parece um daqueles casos relatados nos jornais sensacionalistas em que uma mulher vai às urgências com uma pontada nos rins e sai de lá com um bebé ao colo; nem o marido tinha dado pela gravidez da mulher. No nosso caso, também ninguém deu por nada. 
Podia ser tudo uma tremenda coincidência, mas não é. 

Veja-se o Brasil, onde o Presidente Temer aproveitou o espírito de Natal, mais as férias de Natal dos brasileiros, para aprovar um ‘indulto natalino’ com estrondosas reduções nas penas – que, na prática, quase acabam com a Operação Lava Jato.

Mas se não quisermos ir tão longe, fiquemos em Lisboa. Recordemos que o vereador do Urbanismo da CML, Manuel Salgado, escolheu o meio de agosto para a consulta pública do plano de pormenor da zona envolvente do edifício-sede da EDP, na avenida 24 de julho, zona imobiliária tão apetitosa.

Esta escolha do momento mais oportuno com pessoas distraídas ou em férias, Natal ou agosto, é já um clássico. São políticos em funções, mas o povo vê-os como vulgares carteiristas procurando a melhor ocasião. 

O PSD deveria ter fugido desta cartelização partidária, até porque em Portugal vigora o sistema de dois pesos e duas medidas. 

Em princípio, tudo o que é permitido ao PS é proibido ao PSD. O PSD não conta com os favores da opinião pública, da imprensa, da opinião publicada ou dos sindicatos. Se o PS sai incólume de Pedrógão Grande, Tancos ou Raríssimas, não será agora uma intendência financeira a perturbar-lhe o caminho.

No geral, a classe política volta a ficar mal vista, o PS sair-se-á airosamente como sempre e o PSD vai ser especialmente penalizado, não só porque o CDS votou contra, mas porque este ficará como o último ato político de Passos Coelho. Não havia necessidade. 

Santana Lopes e Rui Rio já se mostraram contra a iniciativa. Valha-nos isso.

sofiarocha@sol.pt