Zangam-se as comadres… ralham os juízes

Os juízes continuam irresponsáveis. Podem tresler, presumir e interpretar a gosto, que ninguém lhes toca

Os jornais e as redes sociais revoltaram-se, muito justamente, com a decisão do Tribunal Judicial de Viseu, em que o meritíssimo juiz escreveu, preto no branco, que «duvida que uma mulher autónoma e moderna possa ser vítima de violência doméstica». 

Indignada com a avalancha de reações, a senhora presidente da Associação Sindical dos Juízes veio logo protestar contra o que considera ser «a moda do politicamente correto, quando se trata de decisões judiciais», acrescentando esta frase lapidar: «Qualquer dia os juízes não julgam. Têm medo de toda a gente!».

Salazar desenhou o regime corporativo à imagem das gentes, e à medida dos interesses dos pastores das corporações, sejam elas as dos juízes ou as dos árbitros de futebol – só para citar outro caso em que os decisores também têm na decisão arbitrária a arma privilegiada –, não interessando se é invocada a lapidação da mulher adúltera para fundamentar um acórdão vergonhoso, ou se alguém defende numa sentença que… mulher moderna não se queixa.

Noutros tempos, falando-se de notoriedade, reputação e coisas que tais, dizia-se que ‘quem se faz pelos jornais, morre nos jornais’. Os tempos mudaram, mas a regra mantém-se – devendo, agora, juntar-se as agências de comunicação e as redes sociais, como principais fazedores (e destruidores) de fama e importância. Agora calhou aos juízes… Azar!

Nos tempos em que a corporação alinhava pelas ordens do PCP – fruto das ‘antenas’ que Zita Seabra plantou na Faculdade de Direito –, não se ouviu uma palavra de protesto dos juízes puros. 

O escândalo era comentado em surdina, mas ninguém teve a coragem de denunciar o cancro que corroía a Justiça, com metástases que contaminaram até o Supremo e a PGR. 

Veio, depois, o tempo – que ainda vivemos – dos magistrados justiceiros, e o povo aplaudiu, sem reparar na estranha coincidência entre os títulos dos jornais e as decisões dos tribunais: ‘condenação’ na imprensa é condenação certa em tribunal. Independentemente da prova produzida, os acusados, certos acusados, são ‘culpados’ desde a primeira audiência de julgamento até à sentença. É o que temos… 

Os juízes continuam irresponsáveis. 

Podem tresler, presumir e interpretar a gosto, que ninguém lhes toca. Certo que são avaliados, mas para que servem as avaliações, se juízes com anos e anos de avaliações negativas… continuam a julgar? Ao menos, no futebol, os árbitros com má classificação são despromovidos, e os que têm vergonha na cara vão para casa.

Continuo a pensar que os juízes são mulheres e homens com a mesma carga de virtudes e defeitos que todos os seus semelhantes, sujeitos a errarem, como erram todos os mortais. 

Dito isto, poderá a senhora presidente da Associação Sindical dos Juízes informar o país de quantos magistrados judiciais foram condenados em tribunal nos últimos 50 anos? Tenho a certeza de que a revelação do número de condenações será suficiente para sossegar os espíritos inquietos e para pôr fim ao temor de que… «qualquer dia os juízes não julgam. Têm medo de toda a gente!».