Santa Casa no Montepio é inadmissível

A saúde da democracia exige a total transparência das fontes de financiamento dos partidos

1. CTT. Não me repugna a ideia dos CTT serem uma empresa privada. Para mim é clara a distinção entre a provisão de um serviço (que pode ser feita por entidades privadas ou públicas) e o acesso a esse serviço (que no caso dos CTT, como por exemplo na saúde, tem aspectos que transcendem a mera natureza comercial e privada). O que deveria estar em causa nas recentes polémicas motivadas pelo plano de redução de 800 efetivos é precisamente o acesso ao serviço e a sua qualidade. Existem inúmeros relatos de uma deterioração do serviço postal medido pelos tempos de entrega de correspondência. A mim próprio já me aconteceu esperar três semanas pelo retorno do aviso de recepção de uma carta registada enviada de Telheiras para Campo de Ourique. Do mesmo modo, importa saber qual o impacto da redução de efetivos no acesso ao serviço dos CTT pelas populações em áreas urbanas e, sobretudo, rurais. Nada disto tem a ver com ser público ou privado. Todos temos exemplos de maus serviços prestados por empresas públicas.  A verdadeira questão é o ‘Acordo de Nível de Serviço’ (SLA, no acrónimo inglês) subjacente à concessão do serviço e o grau de exigência da sua fiscalização. São as referidas 3 semanas compatíveis com o SLA? E o possível fecho de estações em zonas rurais? Quais as penalidades associadas ao incumprimento do SLA? Serão suficientemente dissuasoras? E quem fiscaliza o fiscal?

2. MISERICÓRDIA PARA O MONTEPIO. O investimento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no capital do Montepio não deveria sequer ser admissível. Em primeiro lugar  por o  montante, cerca de 30% do capital próprio da SCML, não refletir uma p olítica sensata de diversificação de riscos. Depois, por o negócio bancário, como a crise financeira mostrou, ser notoriamente pouco transparente e cheio de armadilhas.   Finalmente,  por se tratar de um investimento num ativo cuja notação pelas agência de rating está abaixo  da chamada ‘investment grade’ ou seja, é classificado como ‘lixo’. (Não obstante o recente upgrade para B+ pela Fitch, a CEMG ainda não passou a ‘linha de água’.) Fundos de pensões, fundações e entidades cuja missão é proteger um dado património têm em geral normas de investimento muito conservadoras que impedem, por exemplo, aplicações financeiras em ativos com estas notações. Qual será o manual de investimentos da SCML?

3. FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS. Entendo bem o argumento a favor do financiamento exclusivamente público dos partidos políticos. Mas, para mim, os eventuais méritos dessa solução não se sobrepõem ao direito dos cidadãos apoiarem livremente as causas que entenderem e como o entenderem fazer. Mas a saúde da democracia exige a total transparência das fontes de financiamento partidário: devem existir recibos de quem deu o quê, as doações em dinheiro vivo devem ser limitadas, e  as contas partidárias devem ser objecto do mais amplo escrutínio público. E as penalizações devem ser exemplares. Mas nada disto justifica qualquer isenção do IVA nas aquisições de bens e serviços pelos partidos. Pelo contrário: caso o financiamento partidário fosse exclusivamente público poder-se-ia dizer que não faria sentido dar com a mão direita para retirar com a esquerda. Mas defender financiamento privado e isenção é querer ter o bolo e comê-lo.