PSD. Santana, a gaivota que não esqueceu o bando?

Faltam 10 dias para Santana Lopes jogar – perdendo ou ganhando – mais uma das suas nove vidas. Será o apoio a Marcelo ocasião ou motivação? 

Pedro Santana Lopes citou 2003. Ou melhor: citou-se de 2003. Ontem, na sua formalização de candidatura à liderança do “PPD/PSD” – na sede nacional do partido, na São Caetano à Lapa –  Santana fez algo que tem sido norma desde o início da campanha. ‘Marcelizou’, ‘descostizou’ e relembrou – desta vez até foi mais longe. 

Na entrega das 2525 assinaturas que apoiam a sua candidatura, as ideias para a sua moção ao congresso – distinta da proposta de programa, mais abrangente, que já apresentara – foram também expostas e duas destacaram-se. Esclarecer que, como líder de partido, apoiará inequivocamente Marcelo Rebelo de Sousa nas próximas presidenciais – apesar de o próprio chefe de Estado não ter ainda quebrado esse tabu e de Pedro Passos Coelho não ter, em setembro, garantido que o faria, remetendo a decisão para “altura própria”. Esclarecer, por outro lado, que não apoia, agora ou no futuro, uma coligação com o Partido Socialista – no tão falado mas raramente visto ‘Bloco Central’ -, e prometer uma oposição como aquela que já defendera em 2003, era ele presidente da Câmara de Lisboa: não sempre contra o que faz o governo, mas mostrando que se é melhor que o governo. 

O verbo “reinventar”, em assumida citação da mensagem de Natal do Presidente da República, vai de encontro ao primeiro eixo da apresentação de ontem. Santana subscreve a reinvenção do país pedida pelo Marcelo, não subscrevendo a reinvenção do partido defendida por Rui Rio. ‘Marcelizou’ outra vez. E essa tem sido uma constante na sua candidatura. 

Desde um almoço no Palácio de Belém que não foi desmarcado após anúncio de entrada na corrida, passando por diversas sintonias. Santana recordou, em outubro, o elogio que Marcelo lhe fez em relação ao conhecimento que possui no setor da solidariedade social, nomeadamente após o extenso exercício de funções como provedor da Santa Casa. Toda a lógica de “PSD próximo das pessoas” é irmã – ou pelo menos paralela – à proximidade que a presidência instaurou com o povo. Na semana, também em outubro, em que Marcelo pediu um pacto de regime entre os dois maiores partidos para uma reforma da floresta, Santana  acordaria novamente. 

No caso mais recente da lei do financiamento partidário, a sintonia emerge de igual modo, mesmo que cronologicamente menos evidente. Mesmo Nuno Morais Sarmento, que é mandatário nacional da candidatura de Rio, aproxima Marcelo a Santana Lopes (em contraposição a Rio com Cavaco). 

A recusa de um Bloco Central, assente na moção de Santana ontem apresentada, vai não só na senda do distanciamento que tem procurado manter de António Costa (com quem manteve saudáveis relações institucionais na última meia década) como do distanciamento do centro-esquerda que Rio favorece. 

Mas até mesmo essa ‘descostização’ poderá ser lida como um ‘marcelismo’ de Santana. É que não há muito tempo, por finais de novembro, foi Marcelo que considerou “ilusórios” quaisquer Blocos Centrais “nesta realidade imediata”. Portugal, disse o chefe de Estado, “tem de revelar até ao fim da legislatura uma área de governação forte, mas por outro lado uma área de oposição capaz de superar divisões e de se apresentar como alternativa de futuro”. E também Santana só deseja “consensos” depois da corrente legislatura – isto é, depois das legislativas. Se será capaz de liderar uma oposição digna de “alternativa de futuro”, escolherão os militantes, dia 13 deste janeiro. A sua moção, e os seus apoiantes, afirmam que sim.

Santana em 2003 Na difícil mas levada a cabo tarefa de “clarificar”, Pedro Santana Lopes tem falado sem assombros de 2004, quando a dissolução parlamentar de Jorge Sampaio o tirou do Palácio de São Bento. 2003, o ano anterior, tem sido bem menos falado, ainda que ontem mencionado como horizonte de uma oposição “melhor que o governo”, num antigo texto seu.

O i teve acesso a prosa do candidato desse ano (da Revista Egoísta) e a sua citação é igualmente atual: “Tudo necessita de inovação de ousadia, de saber sonhar e de saber criar. Mas, sobretudo, necessita que não nos resignemos à ideia de que só podemos fazer aquilo que os outros já fizeram. Ao fim e ao cabo, é preciso saber voar sozinho, embora devendo saber qual é o nosso bando. Tal qual Fernão Capelo Gaivota”, escrevia, sobre Portugal e o romance de Richard Bach (1970). 

Voar sem esquecer o bando, prometia o Santana de 2003. Quinze anos depois, terá chegado o tempo de voltar ao que não esqueceu?