A (des)ordem internacional, Lívia Franco

Tal como nos últimos anos, em 2018 a política internacional parecerá ser sobretudo marcada por imprevistos. 

Há pouco tempo atrás quem esperaria que a Rússia tornasse a anexar o território de um país europeu vizinho? Quem verdadeiramente esperaria que os britânicos escolhessem abandonar a União Europeia? E quem adivinharia que o empresário-celebridade Donald Trump seria eleito presidente dos EUA? Os sinais estavam lá, as tendências também, mas as expectativas e os desejos da comunidade internacional não os souberam ou quiseram interpretar. Ora, a  principal razão pela qual a política mundial continua a causar tanta surpresa é a de que ela continua a ser encarada nos mesmos termos que a política interna. Claro que o processo de globalização associado aos acelerados desenvolvimentos tecnológicos tornaram ainda mais porosa a fronteira entre os domínios doméstico e externo da política. Contudo, isso não alterou a natureza essencialmente diferente da vida internacional: nesta continua a não existir um governo central capaz de exercer autoridade e de impor a lei e a ordem civil como acontece dentro dos países. Antes, e independentemente do que a opinião pública internacional espera e deseja, a política internacional é determinada pela vontade e o poder dos Estados mais fortes. O ano de 2018 continuará a confirmar isso mesmo.

Historicamente a noção de que existe uma “comunidade internacional” – que é na sua origem ocidental e liberal – foi-se sobretudo afirmando no pós-Segunda Guerra Mundial. Os mecanismos, as regras e as instituições então estabelecidos pelo mundo ocidental sob a liderança dos EUA garantiram uma ideia e uma prática de ordem internacional que pareceram triunfar e universalizar-se com o final da Guerra Fria. Acontece que o ano que agora começa continuará a demonstrar o que já não é notícia: a acelerada erosão dessa “ordem liberal”. Os factos são indesmentíveis. A começar pela própria presidência norte-americana que deixou de partilhar essa visão liberal sobre o mundo e, em especial, sobre a relevância do multilateralismo e da cooperação internacional. Para o presidente Trump o poder e o interesse nacional são os critérios que contam na condução da política externa. E aqui ele faz-se acompanhar pelos líderes de outras grandes potências, como a China e a Rússia. As estratégias de Xi Jinping, re-entronizado em outubro passado no XIX Congresso do PCC, ou de Putin, que será reeleito no próximo mês de março, podem parecer diferentes, mas assentam numa mesma abordagem da política internacional: quem manda são os Estados mais fortes e aos outros resta apenas assinar por baixo. António Guterres, o secretário-geral da ONU, demonstrou ser muito habilidoso e corajoso, mas é a vontade daquelas potências que determinará a ação da organização. E o mesmo acontecerá com todas as outras instituições ou iniciativas internacionais, sejam elas do foro económico, ambiental ou nuclear. 

O crescente protagonismo das potências e dos equilíbrios regionais é uma das principais consequências da erosão da ordem liberal. Não é por acaso que as ações de Erdogan, Maduro, Duterte ou Kim Jong-Un continuarão no novo ano a dominar as notícias internacionais. Na ausência de um sistema de governança mundial efetivo, a estabilidade internacional resultará em grande parte da soma simples dos arranjos e consensos regionais. Ou seja, as periferias desapareceram. E a complicar mais o panorama deve acrescentar-se o reforço da tendência de desmaterialização da política internacional: nos próximos 12 meses, fake news, pós-verdade, ciber-terrorismo e as redes sociais em geral vão continuar a determinar os processos políticos da aldeia global.

Afinal, em termos internacionais, 2018 trará mais do mesmo.

Por Lívia Franco