Cinema. O Sacrifício de Um Cervo Sagrado

Quando vemos Steven Murphy (Colin Farrell) caminhar pelo corredor do hospital em que trabalha como cirurgião cardiovascular, vemos o homem perfeito. 

Em casa, à mesa de jantar, tudo na sua mulher, Anna (Nicole Kidman), oftalmologista, e os filhos – Bob, de 12 anos (Sunny Suljic), e Kim, de 14 (Raffey Cassidy) – vem apenas ajudar a compor, no previsível quadro da família perfeita, aquela imagem com que Yorgos Lanthimos nos apresentara o chefe da família ideal (que se supõe) americana no centro de “O Sacrifício de Um Cervo Sagrado”.

Ponto de partida para se estranhar num filme do realizador de “A Lagosta” (2015), mesmo com todo o desconforto causado pela aparente disfunção relacional entre os personagens, de alguma forma sempre alheados emocionalmente – como já em “Dogtooth” (2009). Ou talvez não. Porque o imaculado – bem nos vem mostrando o cinema grego contemporâneo – jamais será real. Numa história contada por Lanthimos, provável é que seja já predição para o final mais trágico.

E não era preciso que apareça Martin (Barry Keoghan), um estranho adolescente que com a conivência de Steven se vai aproximando da sua família, para o adivinharmos, já no início tínhamos visto um coração num peito aberto num teatro de operações, num quadro que é assunto mas também metáfora para um filme em que Yorgos Lanthimos resolve voltar a olhar para a família. À sua maneira, claro.