EUA. Portugueses ficam mais tempo por não temerem represálias

Conselheiro das comunidades portuguesas nos EUA diz que o incumprimento do programa de isenção de vistos só acontece porque os portugueses não se sentem pressionados pelas autoridades locais e, por isso, muitos ficam para além dos 90 dias. Santos Silva rejeita exclusão

A possibilidade de Portugal poder vir a ser excluído do programa de isenção de vistos para os Estados Unidos deixou a comunidade portuguesa residente naquele país em estado de alerta. Em declarações ao i, o conselheiro das comunidades portuguesas na Nova Inglaterra e presidente da comissão regional dos conselheiros da América do Norte, Paulo Martins, vê essa hipótese como “preocupante” e encontra uma explicação para o incumprimento português do programa: a visão de que as autoridade norte-americanas não são suficientemente diligentes na aplicação da lei.

Em causa está a violação de um dos requisitos definidos pela Lei da Imigração e da Nacionalidade, que permite aos cidadãos de 38 países – entre os quais Portugal – poderem entrar em território norte-americano, por motivos de turismo, lazer ou negócios, sem necessidade de visto, e poderem ficar durante um período máximo de 90 dias. 

A lei decreta, no entanto, que a manutenção no Visa Waiver Program (VWP) depende do cumprimento de algumas regras, entre as quais: o número de admitidos ao abrigo do programa que decidem permanecer nos EUA para além do prazo definido não pode equivaler a mais de 2% do total de entradas. Ora, de acordo com os dados do Departamento de Segurança Interna, consultados pela Lusa, o número de portugueses que entraram nos EUA através do VWP, em 2016, foi de 164 662, e o número dos que permaneceram no território para lá da data foi de cerca de 4 mil – quase 2,5%, portanto.

“Notícias desta natureza preocupam sempre a comunidade portuguesa. O facto de as pessoas poderem viajar com isenção de visto facilita a visita de muitos familiares dos portugueses que residem nos EUA”, começa por explicar Paulo Martins, antes de refletir sobre o incumprimento português: “Muitos destes visitantes não levam a sério o período de estadia, pois não se sentem pressionados pelas autoridades americanas quando o prazo se aproxima. E muitos acabam por ficar mais tempo do que é permitido, porque acreditam que as sanções não serão aplicadas.”

Há 29 anos a residir nos Estados Unidos, o conselheiro de Nova Inglaterra garante que, enquanto representante de um órgão consultivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, procura “estar sempre atento” a este tipo de situações relacionadas “com a comunidade e os serviços de imigração”, e diz que tanto ele como os restantes conselheiros “estão a acompanhar com a devida atenção” as notícias oriundas de Portugal.

Santos Silva desdramatiza

Os 38 países abrangidos pelo programa são catalogados pelo Departamento de Estado norte–americano como países com taxas muito reduzidas de recusas de “visto de não-imigrante” e de “violação dos requisitos do próprio programa”. Para além disso, são descritos como entidades que emitem documentos de viagem seguros e trabalham com as autoridades norte-americanas de contraterrorismo.

Segundo a Lei da Imigração e da Nacionalidade, o secretário da Segurança Interna, após consulta do secretário de Estado dos EUA, avalia de dois em dois anos o cumprimento dos requisitos por parte dos viajantes dos países inseridos no VWP. A exclusão depende de uma série de pareceres e relatórios em diversas comissões da Câmara dos Representantes e do Senado, e pode ser decretada pelo secretário da Segurança Interna – como aconteceu com a Argentina, em 2002.

Portugal cabe dentro do perfil definido pelo Departamento de Estado – juntamente com a maioria dos países da União Europeia, a Suíça, a Coreia do Sul, o Japão, Taiwan, a Austrália, entre outros – e, por isso mesmo, Augusto Santos Silva não tem dúvidas de que, mesmo confirmadas as irregularidades no cumprimento do VWP, um cenário de exclusão está totalmente descartado. “Não dramatizemos, não exageremos e não queiramos dar como facto consumado o que não existe. Não há nenhuma possibilidade de Portugal sair do programa”, garantiu ontem à Lusa, à margem do encontro anual dos embaixadores portugueses.

O ministro dos Negócios Estrangeiros vê os incumprimentos portugueses como atos de “algum descuido”, “menor informação”, “facilitação”, “esquecimento” ou “deixa-andar”, sem “má-fé”, e assegura que Portugal foi informado por Washington sobre “esse pequeno aumento admissível da taxa de irregularidades”, revelando que as representações diplomáticas se comprometeram a “informar mais intensamente os portugueses da necessidade de cumprir essa condição do programa”.

O i contactou a embaixada dos Estados Unidos em Portugal para conhecer a posição do governo norte-americano sobre o assunto, mas até à hora do fecho desta edição não foi possível uma resposta. De acordo com o gabinete de imprensa daquela representação diplomática, uma vez que o tema “não diz respeito apenas a Portugal” – Hungria, São Marino e Grécia também ultrapassaram a barreira dos 2% -, os seus funcionários ainda aguardavam por uma “posição oficial” de Washington.

Trump causa apreensão

Aparentemente, tudo indica que Portugal não está a pagar a fatura da votação, na ONU, de condenação da decisão de Washington de transferir a embaixada em Israel de Telavive para Jerusalém, e com isso reconhecer a Cidade Santa como capital do Estado de Israel – o presidente dos EUA garantiu que ia “tomar nota” dos 128 países que votaram favoravelmente a resolução – mas, no seio da comunidade portuguesa, a postura de Donald Trump é fonte de preocupação.

Paulo Martins tem consciência de que as “leis de imigração são um ponto forte desta administração” e confessa que, mesmo “serena”, a “comunidade portuguesa acompanha com alguma apreensão” as políticas migratórias restritivas desenhadas pela Casa Branca.