Tudo em família

O SOL publicou um curioso artigo sobre as relações familiares neste Governo. Pela primeira vez, penso eu, há um casal de ministros: Eduardo Cabrita e Ana Paula Vitorino. E depois há secretários de Estado filhos de ministros – e, mesmo quando há uma baixa no Governo, o primeiro-ministro prefere em geral meter uma pessoa com…

O SOL publicou um curioso artigo sobre as relações familiares neste Governo.

Pela primeira vez, penso eu, há um casal de ministros: Eduardo Cabrita e Ana Paula Vitorino.

E depois há secretários de Estado filhos de ministros – e, mesmo quando há uma baixa no Governo, o primeiro-ministro prefere em geral meter uma pessoa com ligações familiares a governantes do que um indivíduo vindo de fora.

Se o Governo fosse uma empresa privada, isto seria impossível.

Conheço empresas onde há colegas que vivem em comum (o que é naturalíssimo) mas têm de disfarçar essa situação e não a confessam a ninguém, pois de contrário seriam despedidos.

Acho este fundamentalismo odioso – e até percebo que António Costa entenda que uma pessoa cuja família já está no Governo (ou na bancada parlamentar) dará à partida mais garantias.

Mas também não sou ingénuo – e admito que, em alguns casos, esta distribuição de lugares pelas famílias de governantes corresponda a um certo uso do Estado para distribuir benefícios pelos fieis.

Não é este, porém, o ponto que quero explorar.

O principal problema deste Governo ‘em família’ é ficar fechado numa espécie de bolha, com pouca abertura ao exterior.

Em vez de se abrir à sociedade, o Governo fecha-se na sua concha.

Até porque a experiência da quase totalidade dos governantes acaba por ser muito limitada.

Muito poucos tiveram experiência na atividade privada, vindo preferencialmente do funcionalismo público.

Ora, a minha vida profissional leva-me a afirmar, com muita convicção, que deveria ser obrigatório, para entrar no Governo, ter uma experiência no setor privado.

É diferente ser funcionário público, com o ordenado certo ao fim do mês e a garantia de emprego para a vida – ou trabalhar numa empresa privada, com toda a incerteza que daí decorre.

Numa empresa privada sabe-se que é preciso faturar, vender o produto, caso contrário não haverá dinheiro para pagar as despesas.

Sabe-se o que é ter de pagar dezenas ou centenas de milhares de euros de ordenados no fim do mês.

Sabe-se a necessidade de pagar aos fornecedores a horas, sob o risco de cortarem os fornecimentos e não haver matéria-prima para trabalhar.

Sabe-se o que é a necessidade de garantir financiamento quando o dinheiro falta.

Sabe-se o que é a angústia de arranjar dinheiro para pagar alguns impostos – que, se não forem pagos, mesmo que passe apenas um só dia, sofrerão um acréscimo de 30%.

Esta experiência de trabalho na atividade privada é decisiva.

Acresce que, para além dos membros do Governo, também os partidos que o apoiam não sabem o que isso é.

Os funcionários do PCP e do BE veem as empresas como sanguessugas que chupam o sangue dos trabalhadores – e não como entidades produtivas que criam emprego e contribuem decisivamente para o desenvolvimento.

Não percebem – nem nunca perceberão – que facilitar a vida às empresas é defender o emprego e proteger a economia, e no limite, garantir um futuro melhor aos trabalhadores.

Ao vetarem uma descida do IRC já combinada entre o PSD e o PS, mostraram lamentavelmente não compreender que a economia cresce com o privado e não com o público.

Ora, basta olhar à volta e ver o que passa: a economia vai crescer 2,6% este ano, mais do que o previsto… depois de um tempo em que o investimento público caiu quase para 0!

Inversamente, no tempo de Sócrates apostou-se imenso no investimento público e cresceu-se o quê?

Em média, 0,5%.

Que mais provas serão necessárias?

Acabo por onde comecei: o principal problema de um Governo ‘em família’ não são os compadrios: é o facto de ser constituído por pessoas quase todas vindas do setor público – quando os desafios de crescimento que se colocam ao país passam em grande parte pelo setor privado.

Não vejo no conjunto do Governo uma única pessoa com boa experiência neste setor e sensibilidade para os seus problemas.

Mas em contrapartida vejo, dentro do Governo e nos partidos que o apoiam, muita gente com ódio ao setor privado e desejosa de o asfixiar para reforçar o Estado.