Figura de relevo e um dos maiores vultos da gastroenterologia a nível nacional e internacional, marcou uma época e ainda hoje continua a ser uma referência para aqueles que, como eu, tiveram o privilégio de o conhecer pessoalmente.
Decorria um congresso no Algarve, mais propriamente na Aldeia das Açoteias, onde nos encontrámos por acaso. Pinto Correia propõe-me um encontro após o programa de trabalho para se inteirar sobre o funcionamento dos centros de saúde. Nessa altura, eu dirigia o Centro de Saúde de São Mamede-S. Isabel, e ele estava à frente da Gastroenterologia do Hospital de Santa Maria, para além do seu trabalho na Faculdade de Medicina.
É curioso constatar que, apesar da sua enorme competência profissional e do nome que transportava consigo, era uma pessoa com uma humildade extraordinária, dizendo que «gostava de aprender com os mais novos». E ali estivemos à conversa durante longo tempo, analisando os problemas à luz do cunho pessoal de cada um, de acordo com as respetivas áreas profissionais.
O relacionamento entre colegas era para ele um ponto muito importante e que já o preocupava. Alertou-me para a necessidade de ouvir bem os mais antigos e de saber respeitar opiniões diferentes das minhas. «A vida encarregar-se-á de mostrar quem tem razão, sem ninguém precisar de se pôr em ‘bicos de pés’». «Cuidado com o excesso de medicação e com os meios auxiliares de diagnóstico. Tudo tem um custo e alguém vai ter de o suportar». «Não se deve prescrever um fármaco sem haver um diagnóstico». «O doente deve estar sempre em primeiro lugar e acima de tudo».
Estes e outros ensinamentos viriam a ser transmitidos mais tarde aos colegas do centro de saúde que eu dirigia numa sessão clínica onde o Prof. Pinto Correia participou a meu convite, e que ainda hoje recordo com saudade.
A conversa já ia longa e estava na altura de acabar. Desejoso que o encontro continuasse, propus nova reunião. Ele olhou para mim olhos nos olhos e disse: «Um dia continuamos a conversa…».
Não muito tempo depois, soube que estava muito doente, contrastando com o seu aspeto saudável tempos antes no Algarve e na sessão clínica do centro de saúde. Para me inteirar do seu estado, telefonei para a sua residência (o que faria depois diversas vezes) e a resposta, curiosa, era sempre a mesma: «O senhor Prof. manda-lhe um grande abraço e diz que, um dia, continuam a conversa…».
Foi sempre assim até ao dia em que, ao entrar no centro de saúde, sou recebido com a notícia triste do seu falecimento. E mais: fui ainda informado que ele tinha deixado uma lista com os nomes das pessoas que fazia questão de que fossem informadas quando partisse deste mundo, um dos quais, o meu. Ainda hoje me arrepio quando me lembro desse momento histórico – e que, em sua memória, venho agora partilhar publicamente.
Senhor Professor, como em termos de fé comungamos dos mesmos valores, é para mim mais fácil dizer-lhe aquilo que sinto neste momento.
Quando um dia for ter consigo, tenho a certeza de que o meu amigo será um daqueles que estarão à minha espera. Temos muito para conversar. Quero contar-lhe o que se passa com os nossos colegas, de costas voltadas uns para os outros, bem pior do que no seu tempo. O excesso de medicação é assustador e os meios complementares de diagnóstico foram banalizados e utilizados sem critério, tantas vezes sob pressão dos doentes, para defesa do próprio médico. Os doentes passaram para segundo plano e, hoje em dia, o que contam são os números e estatísticas.
Mas também lhe quero dizer que, apesar de tudo, hoje vive-se mais e com melhor qualidade, graças aos avanços da medicina, daquela em que o Senhor Professor e outros tantos cientistas acreditaram e pela qual tanto lutaram. É obra vossa! O caminho que abriram no passado está a dar frutos no presente!
Não me esqueço da sua promessa que, aliás, repetiu várias vezes: «Um dia continuamos a conversa…». Tenho, pois, a esperança de que aquela simples troca de impressões iniciada há muitos anos neste mundo possa ser então uma reunião grandiosa na Casa do Pai.