Os foliões

Para uma grande quantidade de jovens de hoje, o divertimento tornou-se o seu grande e único objetivo de vida. Eles vivem para isso.

Nunca fui dado a grandes folias. Nos meus 17, 18 anos, alguns amigos e colegas de liceu começaram a frequentar as boîtes, como então se dizia, mas eu não os segui. 

As boîtes eram locais equivalentes às discotecas de hoje, com a diferença de que a música era muito mais baixa e as canções mais lentas. É certo que já existiam o rock e os Beatles, mas também havia as canções francesas românticas, e as italianas, e mesmo muito do que chegava de Inglaterra ou dos EUA não se assemelhava nem de longe nem de perto às loucuras que hoje se ouvem nas discotecas e que abanam com violência as paredes do crânio. 

Chego a não perceber como é possível estar uma noite inteira naquele ambiente. Das duas uma: ou as pessoas se tornam insensíveis, com os sentidos embotados, ou acabarão seriamente traumatizadas. O ser humano não foi pensado para ser sujeito àquele tipo de agressões.

Mas dizia eu que não fui frequentador de boîtes, até porque não tinha meios para isso: o nosso pai estava exilado, quem aguentava a casa era a nossa mãe, que trabalhava como professora, e seria absurdo andar a pedir-lhe dinheiro para o ir gastar na boîte.

É verdade que eu também não era frequentador de carnavais, nem de passagens de ano, nem de festas de bairro. Repito: não tinha espírito de folião.

Reconheço que podia ser visto como um ‘morcão’, ou seja, uma pessoa sem piada que não gosta de se divertir. Admito que sim, embora tenha sido uma criança alegre e com imensa vitalidade, que passava a vida na rua a brincar com os miúdos pobres da Calçada do Galvão, onde morava.

Mas admito que, na adolescência, mudei e tornei-me mais bisonho. Um dos meus poucos divertimentos, como contei em crónica anterior, era ir uma vez por ano ao Parque Mayer, no dia do meu aniversário, com os colegas de liceu mais chegados. E ir ao cinema, claro – mas isso para mim não era um divertimento mas um hábito cultural.

Nessa época, a vida dos jovens da minha geração não se resumia ao divertimento. Muitos eram católicos, e isso dava-lhes à partida um sentido à vida e impunha-lhes regras e princípios. Depois havia mais idealismo: sendo o regime uma ditadura, todos sentíamos o dever de contribuir para o mudar. Finalmente, os jovens como eu tinham um projeto de vida muito claro: formar-se, casar e ter filhos.

No meio de tudo isso, o divertimento era um interlúdio. Ora, a grande diferença é que, para uma grande quantidade de jovens de hoje, o divertimento tornou-se o seu grande e único objetivo de vida. Eles vivem para isso. Saltam de divertimento em divertimento: é o Rock in Rio e festivais afins, são os concertos de verão, é a passagem de ano, é o carnaval – e no meio desta girândola de prazer são as idas regulares às discotecas com a tal música a fazer estalar o cérebro.

O divertimento já não serve para desanuviar: é um fim em si. É isto que vejo nos jovens que são entrevistados nestes eventos festivos.

Como chegámos a isto? A análise não é difícil. A religião sofreu um recuo enorme: poucos são os jovens para quem o catolicismo dá um sentido à vida e fornece princípios. Depois, a ditadura caiu e lutar pela democracia não é uma necessidade. A seguir, o casamento caiu em desuso: as pessoas vivem hoje com um par e amanhã com outro, saltitam de cama em cama e de casa em casa, a ideia de ‘constituir família’ desapareceu. Finalmente, ter filhos deixou de ser um objetivo. Mesmo para quem pensa tê-los, é sempre para amanhã, porque tudo está primeiro: a carreira, o carro, as últimas novidades tecnológicas, os tais concertos, etc.

Ou seja: todos os objetivos de vida do passado caíram. Apenas ficou de pé o divertimento. Só que, ao erigir o divertimento como objetivo central, a vida esvaziou-se de sentido. A pessoa diverte-se, diverte-se, diverte-se, embebeda-se, rebola de divertimento, estoira – mas o que resta no final de todo este regabofe? O que fica? Vidas solitárias sem sentido, uniões falhadas, às vezes filhos entregues à sua sorte porque os pais separados pouco querem saber deles.

Será isto a felicidade?