O cheiro da tinta fresca

Não se pode dizer que 2017 tenha sido um mau ano para o mercado publicitário português. O investimento cresceu aproximadamente 3%, a contração da aposta em televisão aberta foi menor do que no ano anterior e os canais cabo continuam a ter mais investimentos, com valores próximos dos dois dígitos. 

E sim, continuamos a ser um país onde a televisão é destacadamente o meio a que as pessoas dedicam mais tempo.
Os resultados são bons para quase todos os meios. Os meios digitais, sem considerar os gigantes Google e Facebook, aumentaram em cerca de 15% a sua receita publicitária, confirmando a tendência de acelerado crescimento que se tem vindo a verificar nos últimos anos. E, apesar da impossibilidade de confirmar valores, é seguro arriscar que Google e Facebook não terão verificado crescimentos inferiores à média do mercado digital. 

A imprensa é o único meio que apresenta um decréscimo significativo do investimento publicitário no último ano, cerca de 20%. Mas mais grave é perceber que nos últimos cinco anos este meio terá perdido metade do valor da receita publicitária o que, inevitavelmente, coloca em risco a continuidade de muitos títulos. Com este cenário, o que poderá ser o futuro da imprensa?

Ninguém acredita que a imprensa poderá sobreviver apenas pelo aumento da venda de jornais e revistas em banca, é altamente improvável que aconteça. A solução terá de passar pela capacidade de rentabilizar os conteúdos das marcas de imprensa nas plataformas que os utilizadores hoje em dia mais utilizam, nomeadamente as digitais. Poucas são as marcas que ainda não fizeram este movimento. Quando começaram os meios digitais replicavam o que se produzia para os suportes físicos, hoje todos os conteúdos são adaptados às diferentes plataformas onde são disseminados. Mas à data, este esforço ainda não é suficiente para garantir a viabilidade das marcas que ainda existem. E é no digital que reside a principal ameaça à sobrevivência da imprensa. 

O digital, mas sobretudo as redes sociais, com o Facebook em primeiro lugar, estão a mudar completamente a forma como as pessoas consomem informação, têm vindo a introduzir uma profunda mudança de hábitos. Nada mais natural do que, várias vezes ao dia, abrir o Facebook para perceber o que se está a passar, as notícias do dia. E de onde vem essa informação? Na maior parte das vezes das marcas de jornais e revistas, que os próprios partilham ou que nos chegam por via de algum contacto que achou um determinado tema interessante. 

O ponto crítico é o facto de os conteúdos, quer a informação, quer o entretenimento continuarem, em grande parte, a ter origem na imprensa, nas redações que os descobrem, trabalham e adaptam aos diferentes formatos. Se perderem esta capacidade, que precisa necessariamente de ser paga, será que as redes sociais têm condições para sobreviver?
Duvido que algum dia chegaremos ao ponto de verificar esta hipótese. Mas, no imediato, terão de surgir novas fontes de receita, sob pena de perdermos o acesso aos conteúdos que todos gostamos de consumir. Modelos de subscrição, parcerias, troca de dados pessoais pelo acesso privilegiado a conteúdos são tudo soluções que ainda não têm tempo para demonstrar a sua capacidade de garantir a viabilidade da imprensa. O que faz muito pouco sentido é o facto de os jornais e revistas continuarem a fornecer, de borla, conteúdos aos seus principais concorrentes (carrascos?).

Não acredito que a sociedade, como a conhecemos, possa garantir a todos os cidadãos o que hoje em dia garante sem a imprensa. Acredito que, apesar da diminuição do número de leitores dos suportes físicos, estes são um pilar da democracia que hoje conhecemos, promovendo a análise e discussão dos mais variados temas como poucos o fazem. 

Todos os dias, na televisão, o último noticiário fecha com as capas dos jornais do dia seguinte. E são raras as vezes que numa breve consulta ao Facebook não encontre uma referência a um jornal. 

Esta é a época do ano em que formulamos desejos e fazemos previsões. Arrisco que este será o ano em que a imprensa irá encontrar novos caminhos, novas formas de continuar a sua atividade garantindo que nos continua a dar o que sempre deu. Este é um meio que, simplesmente, não pode morrer. Porque iria morrer, também, uma parte de muitos de nós.

*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media